Vidroplano
Vidroplano

“Do ponto de vista do negócio, era o que tinha de ser feito”

18/04/2018 - 11h23

Após dez anos à frente dos negócios da União Brasileira de Vidros (UBV), Sérgio Minerbo tem apenas mais alguns meses de trabalho na empresa. Até julho, será ele o responsável por conduzir as últimas ações em relação ao encerramento das atividades da fábrica. Na sala de reuniões da planta localizada no Jardim Guanabara, extremo Sul da cidade de São Paulo, o solícito executivo recebeu Iara Bentes, editora de O Vidroplano, para explicar o que levou à decisão que pegou o setor de surpresa (leia mais clicando aqui). Ele comenta ainda sua visão em relação ao futuro do vidro impresso no Brasil e as dificuldades da indústria nacional em tempos de crise econômica.

IMG_1036A notícia surpreendeu todo o setor, principalmente pelo fato de a UBV não ter demonstrado anteriormente sinal de que poderia tomar essa decisão. Afinal, quais fatores levaram ao encerramento das atividades?
Sérgio Minerbo — Nós iniciamos a campanha desse forno em 2008, com projeto de vida útil de dez anos. Inicialmente, existia a expectativa de se fazer campanhas adicionais. A partir de 2015, quando a crise da construção civil começou a se aprofundar, percebemos que o vidro impresso estava sendo substituído por outros produtos em uma velocidade muito rápida. Então, o fim da vida útil do forno coincidiu com o mercado em crise. Se isso acontecesse em momentos diferentes, talvez a decisão tivesse sido outra. Do ponto de vista do negócio, era o que tinha de ser feito.

Não é viável reformar o forno?
Sérgio — Em 2017, traçamos cenários e um deles era realizar um reparo a quente para fazê-lo durar mais um ano, dando tempo pra analisar o mercado. O outro era drenar o forno e parar a produção. Tudo foi preparado do ponto de vista técnico e de gestão interna para esse reparo. Mas a gente olhou o volume de vendas de novembro a março e não fazia sentido rodar mais um ano e estocar vidro. Até o último momento, existia a expectativa de que pudesse mudar. No entanto, olhando o mercado externo, exportação e mercado interno, as vendas tinham de subir, no mínimo, 30%. E é um crescimento muito grande para acontecer num prazo tão curto.

Como os colaboradores ficaram sabendo?
Sérgio — O contato com o pessoal sempre foi próximo. Algumas vezes ao ano, fazíamos os “ciclos de diálogo”, em que a direção colocava-se à disposição para apresentar números como volume de venda, custos. Isso para todos terem noção de como caminhava a empresa. E a gente nunca escondeu que as vendas estavam difíceis. Mas quando você toma a decisão, não deixa de existir um espanto geral. A empresa está em condição de pagar todas as rescisões. No dia 3 [de abril], data do anúncio, estávamos com cerca de 140 colaboradores. Não sairão todos ao mesmo tempo. Ainda em abril, as áreas de produção e manutenção serão as primeiras. Ficam ainda os funcionários dos setores de logística, vendas e administração, com o objetivo de vender o estoque. Vale citar que a UBV está oferecendo um workshop para ajudar os profissionais na recolocação. São oito horas voluntárias, nas quais o funcionário vai aprender noções de gestão financeira, empreendedorismo, atualização currículo etc.

A produção parou no dia 3 de abril? Quanto vidro existe em estoque?
Sérgio — No dia 3, começou a drenagem no forno, processo que terminou alguns dias depois. Quanto aos estoques, devem durar uns sessenta dias a partir de agora [a entrevista foi gravada no dia 10]. Não estamos reservando produtos e continuamos seguindo a política comercial de sempre, sem nos aproveitarmos da situação. A resposta dos clientes tem sido positiva, inclusive nos itens exclusivos como o Quadrato.

Vocês pensaram na opção de vender a empresa?
Sérgio — A mesma percepção que nós, executivos e acionistas, temos, de que o vidro impresso encolheu no mundo, um possível comprador também teria. A venda não era viável. Hoje, tem-se um mercado no Brasil que não comporta duas usinas — e sabendo ainda que existe mais um aqui do lado, na Argentina. Não há essa concentração de players em nenhum outro lugar do mundo, exceto na China.

IMG_1101O vácuo no fornecimento de impresso será suprido em curto prazo?
Sérgio — Na capacidade produtiva, não será possível suprir. Acho que vai faltar metro quadrado no mercado. Porém, nosso concorrente, uma empresa global, pode lançar mão de importações. A vantagem de ser uma empresa independente é que se tem muito mais agilidade para tomar decisões. Quando a gente decidiu importar, fomos para a China, encontramos bons fornecedores e pronto. E a desvantagem é não ter um suporte por trás. Em qualquer dificuldade de mercado, não dá para exportar para empresas coligadas em outros mercados para se manter operando.

Qual era a participação de mercado da UBV?
Sérgio — Por capacidade de produção e importação, minha estimativa era de 55%. No vidro espesso, talvez 60%, 70%. Era um mercado em que não se sentiam os efeitos da concorrência.

Como foram os negócios da UBV na última década, ao longo da vida útil do forno?
Sérgio — Quando o inauguramos, em 2008, percebemos que o vidro de espessuras finas estaria sob concorrência muito intensa, principalmente por conta dos produtos importados. Naquele momento, decidimos que o vidro espesso seria o caminho — e praticamente criamos esse mercado no Brasil, assim como o de chapas grandes.

O espesso chegou a tomar mais de 40% de nosso volume de produção em toneladas produzidas. Isso nos permitiu trabalhar com conforto até o início da crise. Em 2008, a indústria impunha ao mercado o que ele queria. E nós trouxemos algo diferente: quem define o que quer comprar é o mercado. O consumidor queria chapas grandes. Mas como se faz isso do ponto de vista técnico? Hoje, são coisas consolidadas, só que na época foi preciso pensar. Por isso, me orgulho de dizer que, mesmo sendo empresa nacional, fomos os líderes setorde inovação no mercado de impresso. Teria sido confortável não fazer os espessos, chapas grandes, mas era necessário sair da zona conforto. A percepção de atender o mercado com excelência a UBV teve, talvez, seis anos antes das outras empresas.

Qual o futuro do impresso no Brasil e no mundo?
Sérgio — O encolhimento do mercado de vidro impresso no mundo inteiro não é novidade para ninguém. É um produto que tem sido substituído por outros materiais, sendo mais usado em revestimentos na arquitetura. Vejo grande demanda para painéis fotovoltaicos com vidros low-iron, com baixo teor de ferro, que são produzidos com tecnologia próxima à do impresso. Para isso, os países precisam saber fabricar esses painéis de modo eficiente, incluindo todos os seus componentes (eletrônicos, perfis de alumínio etc.). É uma pena que ainda não haja demanda no Brasil pra suportar uma fábrica dessas. É mais barato importar esse vidro cortado e temperado do que produzir aqui. Chegamos a fazer gestão junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para incentivar a indústria local, mas nunca conseguimos fazer esse projeto andar. A decoração é tendência forte na Europa, não no Brasil, pois a mão de obra de instalação é deficiente por aqui. Os espessos ainda têm muito espaço. E o apelo da privacidade nos boxes também é muito importante.

Este texto foi originalmente publicado na edição 544 (abril de 2018) da revista O Vidroplano. Leia a versão digital da revista.



Newsletter

Cadastre-se aqui para receber nossas newsletters