Vidroplano
Vidroplano

O Vidroplano entrevista economista da CNI

20/02/2020 - 14h27

Analisar o futuro da economia de um país não é fácil: diversos indicadores entram no jogo para saber o que pode ou não pode acontecer. Por isso mesmo, O Vidroplano conversou com o economista Marcelo Azevedo, especialista em políticas e indústria da Confederação Nacional da Indústria (CNI), para tentar traçar um panorama mais claro sobre a situação do Brasil ao longo deste ano. Confira a seguir a conversa.

 

O senhor está otimista ou pessimista em relação à economia brasileira em 2020?
Marcelo Azevedo: A gente está na ponta otimista. Por mais que tenha uma frustração com o final do ano passado, a dinâmica que acreditávamos acontecer vai de fato ocorrer. Ou seja, o aumento da demanda, não percebido desde meados de 2019, será acompanhado mais de perto pelo aumento da atividade industrial, chegando ao ponto de começar, inclusive, a ter reflexos no mercado de trabalho. A concretização dessa confiança em mais produção, emprego e investimento está mais próxima agora que em outras épocas.

 

A indústria brasileira tem notícias boas e ruins quase simultaneamente: a Sondagem Industrial da CNI, relativa a novembro de 2019, mostra a ociosidade do parque produtivo caindo. No entanto, o IBGE divulgou que, nesse mesmo mês, a produção industrial caiu mais que a metade da alta nos três meses anteriores. O que esperar, então, da indústria nacional para 2020?
MA: Essa oscilação vem já de algum tempo… Olhando esses números, vemos 2019 pior que 2018 quando se pega a média dos dois anos. Mas parte do nosso otimismo tem a ver com outros indicadores que mostram que as empresas foram melhorando sua condição financeira ao longo do ano — algo essencial, sobretudo para conseguir o financiamento dos investimentos. Por mais que os números capitais, como produção e faturamento, ficaram aquém, variáveis importantes evoluíram positivamente: estoques, utilização de capacidade instalada e situação financeira.

 

O que precisa ser feito para a indústria trilhar o caminho da retomada do crescimento?
MA: A atividade industrial não está acompanhando o mesmo ritmo da demanda, e isso é um problema de competitividade. É notório que as condições com que as empresas brasileiras lidam são completamente diferentes das que parte de nossos concorrentes enfrenta — começando por questões tributárias, passando por infraestrutura, burocracia, que tiram bastante a competitividade, seja lá fora ou aqui dentro. Então, por mais que a gente tenha avanços é importantíssimo que essa melhora continue.

 

Em relação à competitividade, algo muito relevante pra indústria, como o senhor mesmo comentou, qual a forma de construir uma nova mentalidade para fazer com que nossas empresas consigam produzir mais e melhor?
MA: Eu acho que as empresas já estão, de alguma forma, cada vez mais ligadas a isso, até pela própria crise e pela possibilidade de uma abertura comercial. Elas entendem melhor a questão atualmente, é um processo natural que vem ocorrendo. Com relação ao governo, até pela natureza de algumas medidas do ano passado, acho que existe a preocupação com a competitividade. Essa agenda de reformas tem isso em mente, de dar mais continuidade para a economia como um todo. A gente fala em “melhorar” o ambiente de negócios, não somente a situação deste ou daquele setor, mas o espaço de negócios de forma geral. Isso parece ser o norte, e nós acreditamos, e esperamos, que continue assim este ano, porque tem muito trabalho pra ser feito.

 

 “A gente fala em ‘melhorar’ o ambiente de negócios, não somente a situação deste ou daquele setor, mas o espaço de negócios de forma geral”

 

O resultado do Produto do Interno (PIB) é sempre muito aguardado e debatido pela população brasileira. Porém, outros indicadores também revelam situação de um país. O PIB é realmente a mais importante forma de se medir uma economia?
MA: Vale perguntar-se: o que é o PIB? É a riqueza produzida pelo País. Você pega o PIB per capita e é a riqueza das pessoas — uma forma de, talvez, medir o bem-estar. Mas temos as limitações da própria estatística, pois, em uma nação desigual como a nossa, não necessariamente você está tendo uma melhora da população inteira. Mas o PIB é um resumo do quanto se conseguiu avançar na produção do País. Agora, até pelo que conversamos antes, é pouco olhar só para o PIB, por mais que ele resuma muito do que aconteceu. É importante estar atento aos determinantes, entre eles, por exemplo, a utilização da capacidade instalada, a produção industrial, pra saber de que forma estamos crescendo. Uma coisa é você se desenvolver com consumo, aumento de gasto público. Outra é estar baseado em investimento, algo sustentado, quando você está comprando uma nova máquina, abrindo uma nova fábrica, criando emprego.

 

O setor vidreiro depende diretamente de bons resultados da construção civil, segmento esse que teve quedas assombrosas em sua atividade a partir de 2014. O que esperar da construção em 2020?
MA: Foi realmente um tombo muito grande, e esse setor começa a esboçar alguma reação. Já no ano passado, teve um momento em que ele até nos surpreendeu, estávamos um pouco mais céticos com relação a isso. Mas mostrou um início de retomada interessante, e acreditamos que vai continuar este ano. Existe ainda uma série de limitações, como questões de infraestrutura, por exemplo, mas a construção de edifícios parece estar em uma situação melhor, estimulando parte dessa pequena alta. Do ponto de vista macroeconômico, esse mercado é muito sensível a incertezas, a instabilidades. A “arrumação da casa” feita pelo governo no ano passado foi no âmbito macroeconômico. Tivemos queda dos juros, a inflação se manteve razoavelmente estável e incertezas políticas foram reduzidas. Tudo isso é benefício para a construção. Tanto quem vai comprar como quem constrói precisa dessa certeza, pois o setor envolve negócios com um comprometimento de longo prazo, de valores altos. Então, ter essa segurança é muito importante.

 

Segundo a Sondagem Indústria da Construção, da CNI, o índice de intenção de investimento desse setor atingiu o maior valor desde setembro de 2014. É possível que essa vontade de investir por parte das empresas contagie o setor como um todo, mesmo com o cenário econômico ainda se encaixando?
MA: Acho que é por aí mesmo, o cenário se encaixando. A questão de investimento alto, se concretizada, pode garantir uma grande geração de emprego. Uma diferença que se nota entre o final de 2019 e o final de 2018 é justamente que, agora, a percepção de otimismo parece mais baseada em uma melhora real nas condições de negócios. Ano retrasado, a confiança era muito mais baseada em pura expectativa. Temos algo mais fundamentado no momento: há muito mais chance de essa intenção de investimento, de fato, concretizar-se em mais produção e, com isso, ter os efeitos benéficos que estamos esperando.

 

O governo federal promete, desde o ano passado, uma reforma dos programas sociais de habitação, como o Minha Casa, Minha Vida. Isso pode esquentar ou esfriar essa retomada da construção civil?
MA: Os sinais são de que vai existir uma revitalização desses programas. As próprias mudanças no ministério mostram uma vontade nesse sentido, e isso tende a ter efeitos positivos. Temos de ver primeiro quais mudanças serão feitas, mas só o fato de a lupa estar em cima desse assunto já traz uma expectativa. É cedo pra adiantar um julgamento, embora seja animador essa discussão ser realizada.

 

Em 2016, segundo o Panorama Abravidro de 2017, a participação de vidros não transformados (ou seja, sem valor agregado) chegava a 43,5% do consumo total de vidros no País. O dado mostrou enormes possibilidades a serem exploradas pelo mercado — mas também revelou a pouca comercialização desses produtos. Qual a importância desse tipo de item para a indústria nacional?
MA: É uma combinação da necessidade de ter ganhos de competitividade, algo que pode tornar esses produtos mais acessíveis, com o desenvolvimento da própria demanda. E aí incluem-se tanto uma saúde financeira (que no momento está um tanto debilitada) dos consumidores como uma possibilidade de crédito mais fácil para se adquirir esses bens. No final das contas, por mais que sejam um gasto maior no início, serão mais benéficos aos consumidores no médio e longo prazos. É aquela história: quando a situação aperta nas famílias, deixa-se de comprar carne para adquirir outros alimentos. O raciocínio é parecido. Fica mais difícil pensar nisso neste momento, mas à medida que a economia andar e fornecer ao consumidor formas mais baratas de financiamento, certamente vai dar um impulso nesse consumo. Com relação à demanda, estamos em uma etapa anterior, o que não impede de quem oferta continuar trabalhando pra tornar esses produtos mais disponíveis.

 

“Já se percebe esse movimento de aumento da demanda, e o ‘pulo do gato’ é você estar pronto pra atender o mercado”

 

O que seria possível sugerir para o planejamento de uma empresa vidreira a curto e médio prazos, levando em conta todas as projeções econômicas?
MA: Acho que é muito importante continuar esse arranjo interno na questão do financiamento, aproveitar as taxas de juros atuais para, em caso de endividamento, saldar esses débitos. Melhorar também a saúde financeira, aproveitar esse momento macroeconômico mais estável. Ao mesmo tempo, na falta de avanços na agenda por parte do governo, tentar trabalhar a melhoria da competitividade e da produtividade internas. Tudo isso para, quando a demanda de fato deslanchar, a empresa estar preparada para atender de forma imediata e com preços competitivos. Já se percebe esse movimento de aumento da demanda, e o “pulo do gato” é você estar pronto pra atender o mercado.”

 

Este texto foi originalmente publicado na edição 566 (fevereiro de 2020) da revista O Vidroplano. Leia a versão digital da revista.



Newsletter

Cadastre-se aqui para receber nossas newsletters