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O Vidroplano entrevista executivos da Cebrace

23/08/2021 - 10h13

A Cebrace anunciou diversas movimentações em seus negócios recentemente. Uma delas envolve sua diretoria-executiva: Manuel Corrêa assumiu o cargo ocupado há sete anos por Reinaldo Valu, que deixou a empresa para novos desafios dentro do Grupo Saint-Gobain. Corrêa agora representa a usina vidreira ao lado de Leopoldo Castiella. A outra mudança altera de forma significativa o setor de vidros impressos: a marca Saint-Gobain Glass, única fabricante do material em nosso país, deixa de ser usada e os produtos passam a integrar o portfólio da Cebrace.

Para entender esses movimentos, O Vidroplano entrevistou com exclusividade Corrêa e Castiella. Ambos comentam a situação de futuros investimentos, como a construção do forno C6, e a situação do mercado em meio à pandemia.

Conte-nos sobre sua jornada dentro do Grupo Saint-Gobain até chegar ao atual cargo na Cebrace.

Manuel Corrêa — Vou completar 37 anos de carreira profissional e já fiz diversas coisas no grupo. Comecei na divisão de refratários, assumindo a gerência do negócio aqui na América do Sul muito jovem. O início foi na área comercial — essa área e a de produto sempre me acompanharam. Migrei para a divisão de abrasivos e, posteriormente, para o setor de negócios e manufatura, onde comecei a ter proximidade com produção e desenvolvimento de produtos. Depois, fui para a China tomar conta de uma unidade de negócios para a Ásia, uma joint-venture que ficava no Japão. Estava com certa frequência nessa empresa e isso vai me ajudar bastante na relação com o sócio japonês, a NSG. Fiquei no continente por três anos e meio e aí retornei ao Brasil para liderar a Sekurit, divisão de vidros automotivos da Saint-Gobain. Então, eu já tive uma visão de cliente da Cebrace, do entendimento do mercado, sei no que a gente pode avançar, quais os desafios presentes e futuros. Estive também em outra jornada dentro do grupo, como líder da Telhanorte Tumelero. Um negócio completamente diferente de tudo que eu tinha feito na vida, saindo de atividades industriais para uma experiência de varejo e lidando, sobretudo, com o consumidor final, vendedores em lojas, entrega em domicílio. Tudo bastante intenso. Em 2018, fui para os Estados Unidos liderar a divisão de abrasivos e reorganizar as operações na América do Norte. Completei três anos lá no final de junho e aí recebi esse convite para a Cebrace. Conheço a região, sou natural do Vale do Paraíba [região em que a Cebrace está instalada em São Paulo]. Assim, para mim é uma volta para casa dupla – não somente do ponto de vista profissional, mas pessoal. A Cebrace é uma empresa de administração excelente, tem-se aqui um nível de gestão exemplar. E um dos meus desafios é procurar melhorar algo que já é muito bom, usando o que eu aprendi no Japão, o conceito de kaizen, de melhoria contínua, com muita humildade e respeito.

Em 2016, a Cebrace tinha se tornado distribuidora exclusiva dos vidros impressos da Saint-Gobain Glass para os Estados do Sul e de São Paulo. Agora, todos esses produtos passam a fazer parte do portfólio da Cebrace de forma definitiva. Quais foram os motivos para essa grande reestruturação que culminou com o término do uso da marca da SGG no Brasil?

Corrêa — A razão é bastante simples. A gente vê o vidro impresso – ou o vidro texturizado, que é a nossa nova forma de comunicação para esse produto – como um material que preenche muitos espaços também destinados ao float. Comercialmente, o canal é o mesmo, com algumas exceções. A maioria dos clientes é comum e os preços são mais ou menos relativos. A empresa viu no passado essa oportunidade de buscar sinergia entre as áreas comerciais, de unificar isso. Por isso, hoje, a unidade comercial do vidro texturizado é da Cebrace. Todos os produtos são vendidos por ela. Isso nos pareceu uma estratégia vencedora, uma vez que você ganha integração. Estamos muito satisfeitos e os resultados têm evoluído.

Então, não devemos fazer uma leitura desse movimento como redução do mercado de texturizado?

Leopoldo Castiella — Sobre isso eu queria pontuar algumas coisas. Primeiro, o maior uso do float em aplicações que seriam de texturizados é um caminho mundial. Por esse motivo, quando se olha para o mundo inteiro, muitas operações desse produto não tiveram continuidade nos últimos cinco anos, fundamentalmente por essa migração para aplicações mais sofisticadas com o float, que requerem outro tipo de processamento, acabamento. Outro ponto é a otimização dos processos. Nós vimos durante a pandemia que temos uma estrutura de custo competitivo. Então, a combinação do forno da SGG, em São Vicente [SP], fabricando com a Cebrace comercializando otimiza o processo todo.

Estamos em um momento cheio de desafios para a realização de novos investimentos. Por isso mesmo, poderiam comentar qual o andamento do projeto para a construção do forno C6? Em 2019, foram conseguidas as licenças ambientais para a obra em Caçapava (SP). Alguma novidade de lá para cá?

Castiella — A situação é a mesma. A pandemia atrasou um pouco todas as coisas, como o timing de recuperação do mercado e a possibilidade física de dar andamento aos projetos. A gente precisa completar o forno da Vasa, na Argentina, reparar o C2, fazer uma reparação a quente também aqui em Jacareí [SP]… Temos uma quantidade de projetos que se afunilaram e agora a gente precisa andar com eles. Para isso, existem desafios desde trazer os técnicos do exterior, levando em conta as várias restrições dos países em relação à pandemia, e até muitos dos materiais, os quais vêm da Ásia, da China. O C6 está na pauta, sim, dentro de nossas prioridades, e vai ser feito. Mas pra isso precisamos fazer andar a fila e desafogar o resto.

Em relação ao forno da Vasa, a planta continua prevista para ser inaugurada em abril de 2022? E a reforma do C2 segue com a data de janeiro?

Castiella — Sobre a Vasa, estamos trabalhando pra isso. Hoje, há 250 operários trabalhando no canteiro de obra na Argentina e todos os fornecedores são locais, com alguma exceção de pessoas que levamos pra lá. Agora, o timing definitivo só vamos saber quando chegar a hora, dependendo da velocidade com que consigamos mobilizar os times do exterior e o abastecimento de materiais. E sobre a reforma do C2, por enquanto, segue na data. Se em algum momento tiver alguma modificação, a gente vai comunicar.

No ano passado, por conta dos impactos da pandemia, tivemos alguma indisponibilidade no abastecimento de float no segundo semestre. Este ano a situação melhorou, mas a oferta ainda não está plena, não é? Como a Cebrace está se preparando para a parada do C2?

Castiella — Eu diria que não temos, pois não estamos fabricando permanentemente toda a linha de produtos. Para dar um exemplo concreto: eu já esqueci quando foi a última campanha de vidro bronze. Para ter abundância ainda faltam alguns passos a mais. Mas existem várias frentes que não estão 100% claras e que não são fáceis de serem previstas. A indústria automotiva, o principal cliente do forno de Caçapava, ainda está com muita dificuldade pela extensão dessa parada, por causa da falta de semicondutores. Isso, por um lado ajuda, pois facilita na constituição dos nossos estoques; mas, por outro, a gente deixa de vender. Precisa ir acompanhando no dia a dia, semana a semana, o que acontece. Mas já estávamos organizados para passar por esse reparo no forno e vamos começar a constituir os estoques um pouco mais perto do final do ano.

Como vocês veem o atual momento de outros setores clientes do vidro, como o moveleiro e o de linha branca? Como está a demanda?

Corrêa — A origem dessa crise foi muito diferente. Não foi um problema econômico, mas de saúde, que teve impacto enorme na vida das pessoas. Isso forçou todo mundo a apertar o cinto — e na Cebrace não foi diferente. Aconteceu uma coisa impensável numa atividade como a nossa, fato único na história da companhia: paramos todas as linhas de produção, assim como nossos clientes fizeram. Todo mundo acabou preservando caixa e deixou o estoque num nível muito baixo. Essa demanda dos últimos meses, uma parte dela, foi naturalmente para a recomposição desses estoques. Acho que agora, com a vacinação e a melhoria das condições sanitárias, a demanda vai crescer. E a indústria da construção viveu esse boom no segundo semestre do ano passado também por causa das pequenas reformas. Toda a pandemia impactou o jeito com que as pessoas se relacionam com sua casa. Querem um espaço maior para trabalhar, lidar com o estresse do home office, brincar com filho, cachorro… e isso nos favorece. É uma coisa meio que permanente, ninguém imagina voltar tudo como era antes. Aprendemos coisas novas nesse período.

Castiella — Cada setor está em uma realidade diferente, com sazonalidades e situações distintas. A falta de componentes complica alguns ramos, talvez a construção civil em menor escala. Porém, quando vamos para a refrigeração industrial, para alguns casos de eletrodomésticos, e até na indústria moveleira, no caso do MDF e algumas peças de plástico, isso tem impacto. Mesmo dentro do vidro a gente conta com um ciclo sazonal. Nossa visão é de que, a partir da segunda quinzena de agosto, a coisa começa a andar de novo; e setembro, outubro e novembro serão meses acelerados. A visão é ter um fechamento de ano positivo. Agora, por exemplo, se faltar MDF vai ser um problema para todos, pois não vai dar para completar os móveis e o vidro acaba afetado.

Sobre a questão da sazonalidade, apesar do bom segundo semestre de 2020 para a construção, a linha branca não teve a mesma sorte e acabou sofrendo no período.

Castiella — Sim, mas com considerações. Está tendo uma acumulação de preço nas cadeias. Hoje existe uma briga de repasse no valor das matérias-primas. Os clientes da linha branca, por exemplo, antes dos consumidores finais, são os grandes magazines, as lojas. E entre a indústria e os lojistas ocorre uma discussão sobre o repasse de parte desses custos. Essas pequenas brigas acabam influenciando, mas todo mundo sabe que no fim do ano as coisas melhoram. Acho que tem, sim, um efeito estacionado de consumo; junho e julho geralmente são meses mais fracos, pessoal em férias. Isso é uma realidade. Mas, por outro lado, tem esse efeito inflacionário que eu comentei. E os aumentos de custo vão chegar ao consumidor final de alguma maneira, podendo impactar um pouco a demanda, inclusive na construção civil. Algumas obras começaram com uma estrutura de custos e agora isso precisa ser mudado.

Corrêa — Nos meus últimos meses nos Estados Unidos, via-se uma inflação enorme em dólar atingindo insumos como aço e derivados do petróleo. No Brasil, isso se amplifica pela desvalorização do real. Há um efeito cascata do câmbio somado à alta das commodities em nível mundial.

Uma demanda que parece crescer é a da indústria de módulos de painéis solares. Recentemente, fomos surpreendidos com um pedido da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) para isenção da tarifa de importação de vidros temperados destinados a esses módulos (veja mais clicando aqui). O pleito original era zerar o imposto para 140 mil t do nosso material, mas a Abravidro, em conjunto com a Abividro, conseguiu reduzir essa quantidade à metade. Ao mesmo tempo, a NSG inaugurou uma planta na América do Norte voltada para esse mercado. Há algum movimento para o setor vidreiro nacional conseguir atender um volume grande de vidro para painéis fotovoltaicos? Além disso, a Cebrace teria condições de produzir hoje o vidro para esse uso?

Castiella — Ocorre uma mudança importante na composição desses painéis, fundamentalmente na China. O substrato desses produtos era um vidro texturizado baixo emissivo e temperado. Várias dessas aplicações estão usando float, um motivo pelo qual o mercado chinês está com grande demanda de vidro. O resultado é que o preço da tonelada na China está acima dos US$ 450. E essa é uma mudança estrutural do mercado mundial, pois esse país sempre foi referência do piso do valor do vidro, e por muito tempo ficou em US$ 200/220 por t. Então, eu sinto essa mudança estrutural na nação que detém mais de 50% da capacidade instalada de fabricação de float no planeta. Voltando para o Brasil, a gente consegue atingir o nível óptico do float necessário, mas o problema é que muitas das fábricas de painéis estão trazendo o produto acabado. Então, a estrutura de custos do conjunto todo precisa ser competitiva. Um melhor cenário depende da avaliação dessas empresas em relação ao custo da mão de obra para montar aqui, para trazer os componentes separados. Inclusive, isso foi uma coisa que durante um período avançou, pois tivemos duas montadoras trabalhando aqui em São Paulo com bastante dedicação. Mas, depois, os leilões do governo foram interrompidos, elas perderam a continuidade e decidiram ir pelo caminho de importação. Concordo que o volume inicial do pleito estava completamente fora da realidade, e isso também não dá nenhuma chance para que a gente possa dar um passo e avançar. Eu diria que não existe um problema no float brasileiro, mas nesse processo como um todo.

O Panorama Abravidro 2021 mostrou crescimento no faturamento e produção das empresas vidreiras no ano passado, mesmo com a pandemia. Porém, uma questão ainda aflige as processadoras: a ociosidade no elo de processamento. Como a Cebrace encara a questão?

Castiella — Aproveito a deixa para comentar que os números do Panorama este ano mostram um crescimento um pouco acima do que a Cebrace enxerga. De qualquer maneira, a ociosidade existe, é histórica e não está diminuindo. É uma preocupação, pois a consequência principal da ociosidade é vista nos preços. O aumento do uso de vidros de segurança, apoiado pelas normas, em cada vez mais áreas na construção vai permitir que a ociosidade comece a reduzir. E se a gente tiver uma reforma tributária séria, colocando todos no mesmo patamar de competição, isso pode ajudar também a ordenar um pouco o mercado. Somado a isso, vale a pena destacar o tema da energia elétrica. No segundo semestre deste ano e no primeiro do ano que vem os custos vão crescer. E se tiver racionamento como já aconteceu em 2001, aí a situação será supercrítica. A gente precisa acompanhar isso de perto, pois energia elétrica é um insumo fundamental na equação dos custos.

Como estão as atividades dos colaboradores da Cebrace após um ano e meio de pandemia? Uma parte da empresa ainda atua em home office?

Corrêa — Esse é um assunto mundial nas nossas organizações. Todos tentando encontrar a melhor solução. Somos bastante cautelosos, não podemos baixar a guarda. Do ponto de vista do retorno ao escritório, nós estamos acompanhando quase que semana a semana a situação. Agora em agosto, por exemplo, no Estado de São Paulo, onde estão duas de nossas unidades produtivas mais a nossa sede, começa o retorno às aulas. Monitoramos também o número de vacinados em cada uma de nossas plantas, tentando incentivar a vacinação ao doar uma cesta básica para entidades de amparo a pessoas carentes a cada funcionário que nos mostra o certificado de vacinação. Então, é uma campanha para sensibilizar, estimular e motivar as pessoas a se vacinar. Estamos funcionando relativamente bem com ferramentas virtuais – claro que não é a mesma coisa do presencial, principalmente na cultura das organizações. Ao mesmo tempo, temos o desafio de preservar a saúde de nossas equipes, o que é sem sombra de dúvida a prioridade número um da gestão.

Para finalizar, gostariam de deixar uma mensagem ao mercado?

Castiella — A expectativa para o resto do ano é boa. Eu pediria a todos um pouco de sabedoria e paciência para passarmos essa última etapa dos meses de baixa sazonalidade. A gente tem de levar assim até o final de agosto e depois tentar surfar a onda do final do ano, que sempre tem sido positiva.

Corrêa — Nós acreditamos muito no Brasil e vamos continuar investindo no País. As dificuldades são passageiras — e acho que somos maiores que as dificuldades enfrentadas. Esse é o nosso caminho e continuaremos nessa jornada de crescimento, melhoria, novos produtos e sustentabilidade.

Este texto foi originalmente publicado na edição 584 (agosto de 2021) da revista O Vidroplano. Leia a versão digital da revista.



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