Vidroplano
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Estruturas de vidro podem visitar o fundo do mar?

22/02/2022 - 10h32

Pode parecer estranho, mas o espaço é um ambiente mais amigável ao nosso material do que a água. No mês passado, esta seção mostrou como o material presente nas janelas de espaçonaves resiste às temperaturas altíssimas durante a reentrada no planeta. E mergulhar representa um desafio ainda maior: a apenas 100 m abaixo da superfície, a pressão é de cerca de 10 atm (atmosferas) – ou seja, o peso equivalente a 10 atm terrestres.

Existem barcos especiais que utilizam vidro a alguns metros dentro d’água. Já submarinos usam outras matérias-primas em seus visores. No entanto, estudos indicam que seria possível contar com a resistência de nosso material nas profundezas dos oceanos.

Turismo transparente
Os chamados “glass-bottom boats”, ou “barcos com fundo de vidro”, em português, servem para aumentar a interação entre visitantes e natureza em pontos turísticos nos quais se destacam a fauna marinha. Bastante comuns principalmente nos Estados Unidos, podem ser encontrados em parques, como o Silver Springs State Park, na Califórnia, ou em locais paradisíacos, como Key Largo, na Flórida.

Essas embarcações contam com áreas envidraçadas em suas partes inferiores, permitindo que os passageiros vejam de perto recifes, peixes e demais plantas e animais presentes ali. Os passeios variam de acordo com a companhia que os administra: podem durar de 30 minutos a 2 horas, custando, em média, de US$ 10 a US$ 40.

No fundo do mar
E em relação a veículos que descem mais fundo, como submarinos? A realidade é que poucos deles necessitam de janelas ou outras aberturas. Os do tipo militar, por exemplo, utilizam sistemas de GPS e instrumentos que dispensam a visão, até porque, na profundidade em que navegam (abaixo de 400 m), não existe luz natural para enxergar o que está ao redor. Além disso, visores poderiam atrapalhar o desempenho desses veículos: sua estrutura deve ser a mais íntegra possível, sem emendas, de forma a aguentar a pressão extrema sem riscos de rachaduras e vazamentos.

Mesmo assim, alguns submarinos de marinha, destinados a certas funções específicas, podem ter pequenas aberturas. É o caso dos submersíveis soviéticos MIR, usados, entre outras tarefas, para explorar os destroços do navio Titanic nas décadas de 1990 e 2000. Cada um deles conta com três janelas – duas laterais, de 12 cm de diâmetro, e uma central, de 20 cm. Feitas de acrílico, são bastante grossas (18 cm de espessura) e curvadas, semelhantes a uma lente de óculos.

A pressão é o inimigo
Em grandes profundidades, nosso material ainda não é usado por seu comportamento imprevisível em um ambiente aquático. “Apesar de ser um material muito forte, sua estrutura sólida faz com que não seja flexível”, explica William Kohnen, presidente e CEO da Hydrospace, empresa especializada em sistemas para ocupação humana embaixo d’água. “Por isso, os pontos das janelas que ficam em contato com a estrutura do submarino recebem todo o estresse gerado pela pressão externa. E como esse estresse não é distribuído igualmente, isso tende a gerar quebras inesperadas.” A situação não seria um problema caso o vidro estivesse em contato apenas com outra peça de vidro. Porém, a maioria dos submarinos é feita de metal.

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Imagem: Sina/stock.adobe.com

 

A escolha pelo acrílico vem daí: é um elemento que oferece flexibilidade frente às mudanças de pressão. “Existem várias normas e certificações internacionais para o desenvolvimento de submarinos, mas, infelizmente, nenhuma delas considera o vidro”, comenta Kohnen.

À espera do futuro
Na década de 1960, a marinha dos Estados Unidos começou a estudar a relação vidro e água, tentando entender como nosso material funciona nesse ambiente. Foi descoberto que, quanto mais um vidro é pressionado por todos os lados ao mesmo tempo, como acontece a grandes profundidades, mais suas moléculas se aproximam, deixando o material ainda mais forte.

Isso indica que o vidro poderia ser aplicado em veículos para expedições no fundo dos oceanos, a quilômetros de profundidade – e, de fato, pequenos submarinos envidraçados já foram utilizados para transportar equipamentos até esses locais. Porém, em missões tripuladas, o conceito ainda não foi colocado em prática, principalmente por conta das dificuldades de se fabricar as chapas a serem empregadas.

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Imagem: noraismait/stock.adobe.com

 

Para comportar humanos, as cabines devem ter um formato de domo, arredondado, já que assim o estresse gerado pela pressão é mais bem distribuído por toda a estrutura. O problema é que essas peças, além de enormes, precisariam ser produzidas sem emendas, já que a presença delas facilitaria quebras, como comentado anteriormente. Dessa forma, a marinha americana decidiu priorizar o acrílico em seus veículos – e a matéria-prima acabou prevalecendo como a padrão para essas aplicações em todo o mundo.

Sonho transparente
Mesmo com essas dificuldades, cientistas e exploradores seguem na intenção de criar “bolhas” de vidro para navegar pelos oceanos. A oceanógrafa estadunidense Sylvia Earle é um exemplo. Uma das mais importantes biólogas marinhas vivas, ela segue ativa, com 86 anos de idade, na preservação da natureza e no estudo das fossas abissais, localizadas a mais de 5 km de profundidade.

Desde meados da década passada, Sylvia financia projetos para a construção de um submarino feito com domo envidraçado, chamado Deep Search. A produção das chapas para o veículo poderia inspirar-se nos espelhos gigantes, com cerca de 10 m de diâmetro, encontrados em telescópios: eles levam até seis meses para resfriar depois de moldados, de forma a garantir uma estrutura única sem rachaduras. Outra opção seria fazer o domo em duas metades e fundi-las, para que não haja emendas. No entanto, isso tudo esbarra nos altos custos de fabricação e logística.

Sylvia tem uma visão utópica sobre o assunto: “Chegar ao local mais profundo significa que você pode ir a qualquer lugar, pois não está mais limitado pela tecnologia”, afirmou em reportagem do site da emissora inglesa BBC. “Quero ir, e também oferecer acesso para qualquer pessoa – crianças pequenas, outros cientistas, tomadores de decisão.” Torçamos para que seja possível, em algum ponto do futuro, poder conferir de perto os mistérios dos oceanos com a ajuda da transparência do vidro.

Crédito da imagem: Eugene/stock.adobe.com

Este texto foi originalmente publicado na edição 590 (fevereiro de 2022) da revista O Vidroplano. Leia a versão digital da revista.



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