Vidroplano
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Vidro para segurar as chamas

21/05/2019 - 11h16

Dois grandes incêndios chocaram o mundo nos últimos tempos. Em setembro do ano passado, o bicentenário Museu Nacional, no Rio de Janeiro, perdeu 90% de seu acervo, o maior de história natural na América Latina, com 20 milhões de itens. Depois foi a vez de a Catedral de Notre-Dame, em Paris, França, com seus 850 anos de história, ter sua torre principal e o telhado completamente destruídos.

Talvez algo pudesse ter sido feito para evitar, ou diminuir, essas tragédias culturais: se vidros resistentes ao fogo (conhecidos pela sigla VRF) estivessem instalados em locais específicos das duas construções, a ação das chamas teria sido retardada e o estrago, muito menor. Afinal, é importante lembrar, o vidro não combate o fogo, mas, sim, retarda sua ação — oferecendo assim maior tempo de ação para os bombeiros, os quais sempre devem ser chamados nesses casos.

Confira quais são as aplicações permitidas desse produto, a importância da especificação correta e as novidades que a revisão da norma NBR 14.925 — Elementos construtivos envidraçados resistentes ao fogo para compartimentação trouxe para essas aplicações.

empresa

Visores redutores de radiação (EW), utilizando vidros de 14 mm de espessura com caixilhos de aço, instalados em paredes de compartimentação entre escritórios e área de produção de empresa no interior de São Paulo

Como é o uso?

É possível afirmar que o vidro pode até mesmo salvar vidas se aplicado corretamente. “Ele é normalmente utilizado em edificações em que exista aglomeração de público, tendo em vista que essas obras contam com mais exigências de medidas de proteção, conforme a regulamentação do Corpo de Bombeiros”, explica Paulo Penna de Moraes, gerente técnico comercial da Vetrotech Saint-Gobain para a América Latina.

Existem substratos que servem como estrutura de suporte para os envidraçamentos. São eles:

– Alvenaria;
– Concreto;
Drywall RF (resistentes ao fogo).

Apesar de importante para projetos modernos, a utilização dos sistemas resistentes ao fogo ainda é pequena e pontual, como analisa Fernanda Roveri, membro do escritório de vendas internacionais da Schott no Brasil. “Na maioria dos casos, as solicitações dessas estruturas chegam somente no final do projeto, quando é detectada sua necessidade.” Isso acontece porque muitos arquitetos e engenheiros desconhecem a função de resistência do vidro em relação às chamas. A revisão da norma veio para mudar a situação, ampliando as possibilidades de instalação. “Nosso maior portfólio de VRF está na Europa e Ásia, pelo fato de serem mercados mais maduros para esses produtos. Porém, a tendência é que agora aumentem suas aplicações no Brasil”, reflete Luiz Harada, gerente de Vendas da AGC.

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Um exemplo internacional: na cidade alemã de Tübingen, um hospital recebeu vidro redutor de radiação (EW) da Vetrotech Saint-Gobain, protegendo a área de escadas

Mudanças na NBR 14.925

Além de o documento nacional igualar-se aos níveis internacionais de requisitos, passando a considerar um vidro intermediário (o EW) com base em normas europeias, foi incluída a exigência de ensaio em sistema único e indissociável. Isso significa que o relatório de ensaio deve homologar o conjunto como um todo (vidros + esquadrias + vedações + fitas intumescentes etc.), não suas partes independentes. É isso que garantirá o desempenho das estruturas — afinal, não adianta especificar nosso material corretamente se o perfil não atender os parâmetros desejados, por exemplo.

Outras novidades são a inserção das dimensões dos corpos de prova e o campo de aplicação real de um ensaio, assim como a inclusão da curva “tempo x temperatura de fogo externo”, utilizada para ensaios no lado externo da edificação.

Importante lembrar que todas as mudanças na norma ainda precisam ser incluídas nas Instruções Técnicas (IT) dos Bombeiros. “Gradativamente, as regulamentações dos Estados vão adotando as novas informações. As ITs de São Paulo foram revisadas e entraram em vigor em abril já incorporando o conceito de ‘elemento redutor de radiação’”, comenta Paulo de Moraes, da Vetrotech Saint-Gobain.

hospital

O Hospital Alemão Oswaldo Cruz, na capital paulista, é reconhecido como ótimo exemplo de aplicação dos VRF: o hall dos elevadores é uma rota de fuga com esquadrias que levam peças corta-fogo (classe EI), de 37 mm de espessura. A estrutura suporta as chamas por até noventa minutos

Quais as aplicações possíveis?

Como aponta Joel Carlos Ferreira de Souza, diretor da SSG Arquitetura e Consultoria, há as seguintes categorias de uso:

Compartimentação horizontal: para ambientes no mesmo pavimento, como divisórias, portas e visores;
Compartimentação vertical: entre pavimentos, como pisos, fachadas e fechamento de átrios.

Nosso material permite a exploração de diferentes características, oferecendo:

– Maior amplitude para locais que geralmente passam a sensação de aperto e confinamento, como escadas e saídas de emergência;
– Luminosidade e visibilidade, que incentivam o diálogo visual entre diferentes áreas de um prédio e facilitam o trabalho dos bombeiros no caso de um incêndio — afinal, poderão ver através de portas ou divisórias para avaliar situações de risco;
– Resistência mecânica, beleza estética e isolamento acústico, pois pode ser laminado e ganhar serigrafias, por exemplo.

fogo

A aplicação em relação às portas corta-fogo deve seguir a NBR 11742 — Porta corta-fogo para saída de emergência, que indica os vidros EI para esse tipo de estrutura. Visores também são bastante relevantes, como comenta Joel Souza: “Estão no fechamento de áreas perigosas dentro de instalações, como salas de baterias, geradores e depósitos, entre outros”.

Levando isso tudo em consideração, os VRF podem ser aplicados em:

– Rotas de evacuação, como escadas e saídas de emergência, de locais públicos com grande movimento de pessoas;
– Divisórias de escritórios;
– Coberturas e laterais de túneis;
– Fachadas de edifícios;
– Pisos e paredes;
– Fechamento de átrios;
– Portas deslizantes;
– Portas predominantemente de vidro;
– Visores.

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Em Santos, o prédio da empresa de soluções digitais Tivit recebeu para-chamas (E) no fechamento de átrio, envolvendo cinco pavimentos, em esquadrias fixas de aço pintado

Especificação e aprovação do projeto

O processo é mais simples do que pode parecer. “O escritório de arquitetura, em seu projeto básico, apresenta as soluções técnicas considerando as ITs dos Bombeiros, determinando a classe do elemento envidraçado e o tempo que ele deve suportar o calor proveniente de um incêndio”, explica Antonio Carlos Nobiling Schnitzlein, diretor técnico da Panorama Comimpex, importadora e instaladora de sistemas resistentes ao fogo.

Na sequência, empresas especialistas (chamadas “integradoras”) definem as dimensões das esquadrias e os materiais a serem usados no sistema, considerando todos os componentes que foram ensaiados em conjunto (perfis, fitas intumescentes, calços, borrachas, dobradiças, barras antipânico etc.) e as limitações impostas pelos ensaios.

A aprovação da obra junto ao Corpo de Bombeiros se dá após análise das medidas de proteção da edificação como um todo, comparando com as exigências presentes na regulamentação de cada Estado. Para a emissão do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), ainda é necessária a vistoria in loco para verificar se a instalação dos elementos está em conformidade com o projeto.

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Em São Paulo, projeto comercial ganhou fechamento de átrio com envidraçamento da Schott. A solução encontrada foram insulados com placa do vidro DGU Pyran + espaçador + laminado bronze, totalizando 500 m² do material

Responsabilidades

Mesmo com a cadeia de procedimentos a ser seguida, podem existir falhas. “A especificação errada normalmente ocorre por empresas que trabalham por conta própria, sem anuência de fabricantes e consultores”, revela Gabriele Alencar, vendedora técnica da Pilkington Brasil. Antonio Schnitzlein, da Panorama Comimpex, alerta para outra questão: “Algumas integradoras confiam no renome mundial dos fabricantes do vidro, esquecendo que fornecem um sistema completo, não somente as esquadrias. Assim, acabam negligenciando itens importantes, como calços e separadores”.

É por isso que, após a instalação, o trabalho não termina. “Os Bombeiros vistoriam e solicitam ao responsável pela obra toda a documentação, incluindo a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) de projeto e execução, além de comprovar que os sistemas envidraçados são certificados”, explica Fernanda Roveri, da Schott.

No Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello (Cenpes) da Petrobrás, localizado na Ilha do Fundão (RJ), visores de corta-fogo (EI) separam os escritórios e salas de reuniões do setor de processamento de dados do complexo

Os tipos de VRF

A nova NBR 14.925 traz três classificações diferentes para o material. A novidade é a inclusão da visorEW, um vidro intermediário entre os dois já citados na versão antiga da norma.

CLASSE E
– Conhecido como para-chamas;
– Principal característica: integridade (impede a progressão das chamas, fumaça e gases tóxicos);
– Não bloqueia a radiação do calor. Ou seja, se itens compostos por materiais combustíveis estiverem atrás do vidro, poderão entrar em ignição espontânea.

CLASSE EW
– Conhecido como redutor de radiação;
– Principais características: integridade e controle de radiação;
– Impede a progressão das chamas, fumaça e gases tóxicos e reduz a radiação de calor no lado protegido. Itens compostos por materiais combustíveis que estiverem a mais de 1 m de distância do vidro não entrarão em ignição espontânea.

CLASSE EI
– Conhecido como corta-fogo;
– Principais características: integridade e isolamento;
– Impede a progressão das chamas, fumaça e gases tóxicos e bloqueia a radiação de calor no lado protegido. É a opção com melhor desempenho no mercado.

Este texto foi originalmente publicado na edição 557 (maio de 2019) da revista O Vidroplano. Leia a versão digital da revista.



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