Vidroplano
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4.0 na prática

21/03/2019 - 09h48

Em maio do ano passado, a capa de O Vidroplano afirmava: “O futuro do setor vidreiro é digital”. A reportagem especial daquele mês falava sobre a Indústria 4.0, um dos principais assuntos de qualquer grande evento mundial do setor, como o fórum Glass Performance Days (GPD) e a feira Glasstec, mas ainda pouco discutido (e aplicado) no Brasil.

Por isso, a revista volta ao tema com o intuito de mostrar, na prática, os efeitos positivos dessa tecnologia na produção vidreira. Conversamos com processadoras estrangeiras que já usam maquinários 4.0 para entender como é o trabalho na era da “indústria digital”.

Aldeia global
No fim de 2018, a Glaston atingiu o número de cem têmperas e linhas de laminação (de 38 países diferentes) utilizando seus maquinários com base de dados integrada na nuvem. No total, já foram coletadas informações sobre mais de 1 milhão de carregamentos em fornos. Esses números mostram o real objetivo da Indústria 4.0: criar uma “comunidade industrial global” na qual todos os membros possam trocar experiências e se beneficiar mutuamente.

Em artigo para o Glastory, site de conteúdo vidreiro da Glaston, o gerente de Digitalização da empresa, Kai Knuutila, escreve: “Para esses processadores, quanto mais estão inseridos nesse conceito, mais podem aprender sobre fazer seus maquinários rodarem de forma inteligente, encontrando jeitos de aumentar a produtividade e a qualidade. Em resumo, conseguem tomar melhores decisões de negócios que levam a maior lucratividade”.

 

Relembrando: os conceitos básicos da Indústria 4.0
- Usa maquinários e sistemas conectados por soluções digitais;
- Isso permite a coleta, troca e rastreamento de dados, facilitando a gestão da produção (essa conexão é a definição do termo Internet das Coisas);
- Com isso, as empresas podem fazer a sintonia fina de seus processos, alcançando melhores resultados com a mesma quantidade de recursos, ou até menos;
- O controle das máquinas é online, sem entrada manual de dados e menor intervenção humana.

Industrial engineer manager using tablet control automation robo

Há demanda para o 4.0 no vidro brasileiro?
Como vimos na matéria Qual o segredo para a produtividade?, publicada no mês passado nas páginas de O Vidroplano, a baixa eficiência no processo produtivo é o calcanhar de aquiles de nossas empresas: deixamos de ganhar dinheiro — e, ainda por cima, gastamos mais do que o necessário — graças a gargalos na produção. É aqui que entra o conceito 4.0 para solucionar esses problemas.

Temos três pilares para sua implementação”, explica Osvaldo Lahoz Maia, gerente de Inovação e Tecnologia do Senai-SP: “A tecnologia, que está se tornando commodity, cada vez mais barata; o capital humano, parte essencial; e a mudança de pensamento de plataforma de negócio”.

 

Economia gigantesca
De acordo com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), a estimativa anual de redução de custos industriais no Brasil, com a migração da indústria para o conceito 4.0, será de, no mínimo, R$ 73 bilhões/ano.

 

O que nossas empresas devem fazer?
Se o nível dos benefícios gerais da Indústria 4.0 (melhor produtividade, menos desperdício de recursos) será grande ou pequeno, vai depender das necessidades e da situação do parque fabril de cada processadora. “Assim como na medicina, não existe um único remédio e dose para todos os sintomas”, justifica Cláudio Henrique Goldbach, diretor da Associação Brasileira de Internet Industrial. “Os resultados em uma situação dificilmente podem ser replicados em outro cliente.” Por isso, analisar o assunto por meio de números exatos não é o caminho.

Os interessados em entrar no mundo 4.0 podem seguir quatro passos apontados pelo profissional:

1 — Mapear uma grande dor de cabeça que pareça ser possível de se resolver com uma tecnologia 4.0;
2 — Identificar um fornecedor/provedor/startup/parceiro ágil que possa fazer um piloto, uma prova de conceito que traga um rápido ganho;
3 — Aumentar a robustez da solução a fim de maximizar esses ganhos;
4 — Recomeçar o ciclo.

brasil-NOVA

Goldbach também é CEO da Termica Solutions, empresa com experiência na área térmica industrial que desenvolve sistemas para a “digitalização” de equipamentos como fornos, estufas e aquecedores, fazendo-os interagir com pessoas e outras máquinas inteligentes. Em nosso setor, a companhia “digitalizou” um forno contínuo de têmpera há quinze meses em empresa localizada no Estado de São Paulo. Assim, foi possível obter dados para maximizar a produção, reduzindo as quebras. “Esse é só o primeiro passo de uma longa jornada digital. Nosso objetivo é chegar a um sistema térmico autônomo, em que o equipamento reconheça a carga e se ajuste ao melhor processo térmico possível, baseado no aprendizado do histórico da produção”, explica Goldbach.

Sobre o último ponto, Maia dá o seguinte exemplo: uma empresa que vende turbina, hoje, na verdade vende horas voadas. Outra que comercializa pneus entrega quilômetros rodados. Ou seja: deve-se olhar para além do produto fabricado no que ele representa para o cliente. “É possível implementar soluções de manufatura enxuta nas pequenas empresas, conseguindo aumentar, em média, 30% da produtividade. Esse é um bom caminho para as companhias, pois começam a organizar seus sistemas produtivos com baixo custo. Assim, os empresários vão entender o mundo da Indústria 4.0 a partir de soluções mais simples”, analisa.

Europa, América do Norte e Ásia são os líderes mundiais em relação ao uso desses conceitos. No entanto, para países menos desenvolvidos, como o Brasil e outros da América do Sul, isso também é algo viável. Um exemplo é a Tecnoglass, da Colômbia, que irá digitalizar sua fábrica até o fim deste ano, usando soluções da Bottero. A fabricante italiana de maquinários, aliás, possui equipamentos com realidade aumentada : alguns processos e manutenções podem ser geridos ao se apontar a câmera de um tablet para a máquina. É nesse tipo de tecnologia que o setor vidreiro deverá começar a apostar, para assim não ficar para trás frente à concorrência global.

 

ESTUDOS DE CASO
A seguir, veja dois exemplos de benefícios reais que as processadoras podem conseguir ao entrar no mundo digital.

Empresa:
Glas Gasperlmair (Wagrain, Áustria)
Fornecedora da tecnologia: Lisec
A processadora utiliza softwares de capacidade de planejamento e monitoração da produção. O projeto, desde a instalação, passando por acompanhamento e sintonia fina dos processos, durou menos de dois anos.
Novos parâmetros produtivos — Ao lado de um sistema de código de barras para rastreamento dos produtos, os sistemas oferecem maior eficiência: antes de sua instalação, eram feitas cerca de 7 mil peças por dia; após, 11 mil, um salto de mais de 50%.
Menor desperdício de recursos — Mesmo fabricando mais vidro, a produção tornou-se mais tranquila. O nível de descarte (peças quebradas ou de qualidade abaixo do padrão) passou de 2,6% para 1,4%, significando menos dinheiro gasto com matéria-prima, energia elétrica e mão de obra fazendo retrabalho.
Eficiência na entrega — A empresa agora consegue atender 99,6% dos pedidos no prazo.
Segurança no trabalho — Até mesmo o índice de acidentes foi afetado positivamente, caindo cerca de 90%.

case_gasperlmair

Empresa:
TAV — Tout L’Art Du Verre (comuna de Treize Septiers, em Nantes, França)
Fornecedora da tecnologia: Intermac
Construída recentemente, a planta dessa processadora francesa foi pensada desde o início do projeto para reunir soluções 4.0 em todos os seus processos.
Como é sua produção e quais os benefícios alcançados:
Maquinários conectados — O layout está totalmente integrado:
Classificador dinâmico para alimentação das máquinas => mesas de corte (para float e laminados) => lapidadora bilateral => CNC horizontal conectado a um robô antropomórfico = > CNC vertical com carregador automático. Isso traz benefícios em três frentes diferentes:
* Elimina o tempo perdido transferindo as peças de vidro de uma máquina para outra;
* Acaba com o uso de carrinhos para o transporte de vidro dentro da fábrica;
* Minimiza o manuseio do vidro por funcionários.

caseTAV

Ferramentas para simulação de processos e produtos — Esses softwares permitem estudar formas para ganhar produtividade antes de aplicá-las na prática, evitando situações de “tentativa e erro” que podem gerar perda de insumos.
Rastreabilidade preventiva — Garante maior controle em relação à qualidade do vidro, incluindo propriedades físicas e ópticas.
Flexibilidade produtiva — Graças a esses sistemas, é possível saber quanto tempo um pedido levará para ficar pronto, ao mesmo tempo que se otimiza esse prazo para atender demandas urgentes. Além disso, permite mudar o foco da produção rapidamente, sem perder tempo com configuração de setups para novos tipos de vidro a serem beneficiados.

Este texto foi originalmente publicado na edição 555 (março de 2019) da revista O Vidroplano. Leia a versão digital da revista.



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