Vidroplano
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Confira os detalhes do trabalho com vidro estrutural

21/09/2020 - 13h43

Por várias edições, O Vidroplano vem comentando tendências no uso de nosso material que serão ainda mais fortes na construção civil pós-pandemia. Este mês, é a vez de falar do envidraçamento estrutural. Ao invés de apenas ter a função de fechamento de vão, o vidro se transforma no próprio elemento de suporte dessas instalações, sem necessidade de caixilhos. Escadas, coberturas, divisórias, fachadas: a versatilidade e as possibilidades são enormes.

Para entender como devem ser a especificação e a instalação, nossa reportagem conversou com usinas, processadores e instaladores. Veja a seguir quais elementos devem ser levados em conta para o cálculo correto da espessura e composição das peças, os cuidados no manuseio e a importância da mão de obra qualificada para realizar o serviço.

 

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Inspirado nas lojas da Apple em formato de cubo envidraçado, o Prisma de Vidro serve como entrada para a loja de roupas Forever 21, localizada no Aeroporto Santos Dumont, Rio de Janeiro. Nas vigas e pilares de sustentação, foram usados laminados de temperados extra clear (8+8+8 mm), fornecidos pela Cebrace; para o fechamento, só mudou a espessura (8+8 mm). Todas as peças têm o PVB estrutural SentryGlas, da Kuraray. A RCM Engenharia de Estruturas foi a responsável pelo projeto

 

Mais vidro
O envidraçamento estrutural surgiu da necessidade de as instalações serem mais transparentes e dialogarem com o que está ao seu redor. Nas últimas duas décadas, a evolução da indústria vidreira permitiu a fabricação de peças enormes – o que significa, por consequência, menor interferência visual de ferragens (como botões, spiders, cabos) e outros itens usados em sua fixação.

As lojas da Apple espalhadas pelo mundo, mostradas diversas vezes em nossas páginas ao longo dos últimos anos, são, talvez, o exemplo mais conhecido dessa aplicação: leveza e total transparência em prol de um design moderno e minimalista, refletindo a tecnologia dos produtos da fabricante americana.

Ponto de partida
Como em toda obra com nosso material, a especificação é um dos momentos mais importantes. Mas, nesse caso, a relevância vai além: encontrar a composição certa do vidro, assim como sua espessura, garante a integridade da construção e a segurança dos usuários. “A especificação é determinada após um minucioso estudo do projeto arquitetônico, quando o engenheiro apresenta os sistemas que melhor atendem a edificação”, comenta Raimundo Calixto de Melo Neto, diretor e responsável técnico da RCM Engenharia de Estruturas. O tipo e tamanho do envidraçamento também influenciam outros aspectos da obra: “Quanto mais se subtraem componentes metálicos, mais o vidro se apresenta como componente primário, vindo a impactar nos custos de construção, pois podem ser exigidos vãos fora do padrão, além de ligações mais complexas entre componentes”.

Como fazer, então, para se chegar a essas informações? “Para o cálculo das partes e do sistema como um todo, o projetista deve usar conceitos complexos de engenharia e resistências dos materiais e adotar ferramentas computacionais para fazer essas verificações”, explica Crescêncio Petrucci Júnior, diretor técnico da Crescêncio Petrucci Engenharia. As ferramentas citadas são softwares que utilizam modelos de elementos finitos para os cálculos – esses programas simulam como um produto reage às forças do mundo real.

 

escadas

 

Duas escadas envidraçadas com projeto da Avec Design. A primeira é de um apartamento triplex em Recife: ela tem uma lâmina central de laminados de temperado extra clear 20 mm (com interlayer estrutural SentryGlas, da Kuraray) com 4 m de altura. Os degraus têm 30 mm de espessura, com ferragens de inox nas extremidades. Devido às grandes dimensões, várias peças foram içadas pelo lado de fora do prédio, até o 23° andar. A outra escada, no lobby do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo, é feita de laminados de temperados 30 mm e serigrafia translúcida antiderrapante, processados pela Unividros. Ao redor dela, um fechamento com vidros curvos chama a atenção. “A estrutura foi montada a partir de um sistema de fixações mecânicas pontuais, com parafusos rotulados e suportes de aço inox”, explica Felipe Aceto Ferraz, diretor técnico da Avec

 

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Números precisos
Inúmeras variáveis precisam ser levadas em conta na hora de efetuar esses cálculos. Aqui estão elas, segundo as fontes consultadas pela revista:

– Características do ambiente, como ação do vento, chuva e som;

– Limites de dimensão das chapas, para evitar sobrecarga nos pontos de fixação;

– Peso da estrutura;

– Folgas para a dilatação do vidro;

– Previsão dos movimentos da edificação, para usar soluções de ligação entre as peças e tipos de ancoragem que absorvam esses deslocamentos sem transferir esforços para nosso material;

– O projetista tem de conhecer bem as propriedades físicas das matérias-primas envolvidas, incluindo as forças de interação entre vidro e interlayers, no caso dos laminados;

– Além disso, deve-se considerar a redundância no dimensionamento das peças principais, de forma a garantir, em caso de colapso parcial de uma chapa, a estabilidade da estrutura durante um período para permitir o isolamento da área e a substituição da parte danificada.

Como acertar no envidraçamento estrutural
Ângelo Arruda, diretor da Vidrosistemas, indica algumas boas práticas a serem seguidas:

- Não use uma obra como referência
Os sistemas devem ser criados especialmente para cada projeto. O design até pode ser parecido com outro, mas nunca igual.

- Não use produtos padrões do mercado
Um projeto estrutural deve contar com materiais (ferragens, vidros e estruturas diversas) personalizados e modulados de acordo com a necessidade da obra.

- Considere a possibilidade de eventuais quebras
A estrutura tem de permanecer estável em caso de quebra, independentemente do motivo. O sistema desenvolvido precisa prever os riscos envolvidos.

- A instalação também é personalizada
Não é possível colocar um vidro estrutural da mesma maneira que um comum, uma vez que o conceito de instalação desse processo construtivo é outro: geralmente acontece de cima para baixo, comprovando que a segurança das peças da base está assegurada.

 

Para a EZ Towers, em São Paulo, a Crescêncio Petrucci Engenharia desenvolveu uma cobertura envidraçada, com sistema de cabos. Envidraçamentos estruturais como esse permitem obras que reforçam a capacidade mecânica de nosso material

 

Conta certa
“A segurança é a principal consequência de um cálculo bem-feito”, afirma Alexandre Gomes Nascimento, gerente-comercial da Softsystem. Odileno Lehmkuhl, CEO da ECG Sistemas, concorda, pois, “além dos riscos diretos à vida dos envolvidos, como problemas com quedas, rachaduras, desprendimentos etc., ainda tem a questão de custeio, já que, com um projeto malcalculado, serão necessárias mudanças e adaptações que encarecem a instalação e reduzem a lucratividade”.

Apesar de os softwares simplificarem o trabalho, especialistas são bem-vindos, principalmente em projetos complexos. “A recomendação é sempre consultar um profissional técnico, como um engenheiro ou consultor de fachada”, sugere Ana De Lion, gerente de Desenvolvimento de Mercado da AGC. Afinal, nem todo profissional conseguirá interpretar as informações oferecidas pelos programas. “Com os sistemas, é possível deixar cadastradas centenas de tipologias, incluindo qual material utilizar em cada uma delas — porém, sempre poderá haver alguma diferenciação. Por isso mesmo, deve-se contar ao menos com o apoio de um técnico especializado”, recomenda Lehmkuhl.

Somando-se às soluções (elementos finitos) oferecidas por diversas empresas do mercado, há também as ferramentas criadas por usinas. A Cebrace tem uma online para o trabalho com pisos. A Guardian também conta com algo semelhante: “Nossos gerentes técnicos regionais oferecem suporte técnico e, além de disponibilizarmos ferramentas de especificação e desempenho, fazemos o estudo estrutural sob demanda”, comenta Fábio Reis, gerente técnico comercial da usina.

 

Em São Paulo, o Palácio das Indústrias, edifício histórico da cidade, passou a ser sede do Museu Catavento, espaço interativo voltado para ciências e artes. A entrada principal agora conta com uma fachada de laminados de temperados (8+8 mm, com quatro PVBs), compostos de Habitat, da Cebrace, processados pela Fanavid. A escolha por vidro se deu para a estrutura (com ferragens da Itamaracá Design) não interferir na estética do prédio

 

Para a EZ Towers, em São Paulo, a Crescêncio Petrucci Engenharia desenvolveu uma cobertura envidraçada, com sistema de cabos. Envidraçamentos estruturais como esse permitem obras que reforçam a capacidade mecânica de nosso material

Para a EZ Towers, em São Paulo, a Crescêncio Petrucci Engenharia desenvolveu uma cobertura envidraçada, com sistema de cabos. Envidraçamentos estruturais como esse permitem obras que reforçam a capacidade mecânica de nosso material

 

Não esqueça as normas
Mesmo com todo esse processo, as normas técnicas vidreiras precisam ser consultadas. A NBR 7199 — Vidros na construção civil – Projeto, execução e aplicações indica o tipo de vidro a ser utilizado em diferentes situações. Erich Henrique, diretor técnico da Itamaracá Design, reforça a importância de se usar laminados de temperados em envidraçamento estrutural, já que essa é a composição que oferece os requisitos mecânicos necessários. “Atualmente, ainda se encontram muitas instalações com vidros monolíticos temperados, prática não recomendada para aplicação estrutural, por questões de segurança durante e após a instalação do sistema”, alerta.

 

A revitalização do Shopping Metrô Tucuruvi, em São Paulo, deu ao estabelecimento novas escadas, com guarda-corpos de vidro, no vão central do espaço

 

Em São Paulo, o Palácio das Indústrias, edifício histórico da cidade, passou a ser sede do Museu Catavento, espaço interativo voltado para ciências e artes. A entrada principal agora conta com uma fachada de laminados de temperados (8+8 mm, com quatro PVBs), compostos de Habitat, da Cebrace, processados pela Fanavid. A escolha por vidro se deu para a estrutura (com ferragens da Itamaracá Design) não interferir na estética do prédio

Em São Paulo, o Palácio das Indústrias, edifício histórico da cidade, passou a ser sede do Museu Catavento, espaço interativo voltado para ciências e artes. A entrada principal agora conta com uma fachada de laminados de temperados (8+8 mm, com quatro PVBs), compostos de Habitat, da Cebrace, processados pela Fanavid. A escolha por vidro se deu para a estrutura (com ferragens da Itamaracá Design) não interferir na estética do prédio

 

Como instalar
Boas práticas durante a instalação garantem a boa execução do projeto. Porém, a atenção deve estar presente em todas as etapas. “Os cuidados começam no processamento do vidro: a integridade das bordas das peças precisa estar garantida em todas as etapas”, explica Fábio Reis, da Guardian. “Depois, o cuidado principal é com a ancoragem/fixação na estrutura do prédio.”

Durante a montagem propriamente dita, falhas e imprecisões podem ocasionar esforços não previstos, provocando a quebra sistemática dos vidros. Por isso, voltamos aos ensinamentos anteriores: as dimensões das chapas devem ser as mais precisas possíveis, de forma a evitar retrabalho e perdas financeiras. “Como, em geral, as peças são de grande espessura e peso, é importante determinar um plano de logística muito bem organizado, com equipamentos adequados”, comenta Crescêncio Júnior. “Outra medida importante é considerar elementos de proteção, principalmente nas bordas dos vidros durante a instalação.”

 

A revitalização do Shopping Metrô Tucuruvi, em São Paulo, deu ao estabelecimento novas escadas, com guarda-corpos de vidro, no vão central do espaço

A revitalização do Shopping Metrô Tucuruvi, em São Paulo, deu ao estabelecimento novas escadas, com guarda-corpos de vidro, no vão central do espaço

 

Para Raimundo Calixto, da RCM, a qualificação de quem vai trabalhar no canteiro de obras não pode ser deixada de lado. “Os profissionais envolvidos precisam ter pleno conhecimento do projeto, no qual as tolerâncias da construção são estabelecidas, e do plano de montagem previamente aprovado pelo engenheiro.” Ângelo Arruda, da Vidrosistemas, lembra ainda a necessidade de experiência com o manuseio de peças de grandes dimensões, evitando assim possíveis acidentes causados pela falta de materiais como EPIs.

Erich Henrique, da Itamaracá Design, tem outras dicas práticas para a instalação:

– Em sistemas spider ou com presilhas para fixação dos vidros frontais, é imprescindível o emprego de pinos trava: eles impedem que os componentes de fixação girem no momento da instalação ou em eventual quebra de um painel, impedindo o desencadeamento de outras quebras;

– Evite a utilização de elementos rígidos, sem rótulas ou articulações, para fixações pontuais. A ausência de rótulas nos pontos de fixação dos vidros frontais de uma fachada, por exemplo, impede a flexão do vidro durante cargas de vento, o que aumenta o risco de quebra.

Este texto foi originalmente publicado na edição 573 (setembro de 2020) da revista O Vidroplano. Leia a versão digital da revista.



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