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Economia: confira a entrevista com a especialista

21/09/2020 - 13h53

Após vários setores apresentarem quedas históricas durante a pandemia, conforme mostramos na edição passada de O Vidroplano, a grande pergunta que fica é: a economia nacional pode se recuperar rapidamente? Para entender a conjuntura pela qual passamos, conversamos com Ana Maria Castelo. Mestre em economia pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora de Projetos da Construção na Fundação Getúlio Vargas/Instituto Brasileiro de Economia (FGV/Ibre), Ana, nesta entrevista, analisa a situação da construção civil e da indústria e indica possíveis caminhos para a retomada. O bate-papo na íntegra você pode escutar na edição especial do podcast da Abravidro, o VidroCast, de setembro. A entrevista foi feita no começo de setembro.

 

Levando em conta nossas particularidades, a economia nacional comportou-se de forma semelhante à de outros países durante a pandemia?
Ana Maria Castelo — O Brasil está entre os que sofreram bastante. Mas isso é generalizado, as economias como um todo passaram por isso. Algumas um pouco menos, outras um pouco mais. O que nos diferencia negativamente é o fato de não ter havido uma coordenação, um plano federal em relação à doença, o que acabou levando a um resultado ainda mais negativo. Seja como for, do ponto de vista de políticas que foram adotadas — a questão ao auxílio emergencial, a mudança na legislação do emprego, a qual permitiu a redução da carga de trabalho e dos salários —, tudo acabou mitigando um pouco os efeitos. Quando a gente fala da construção civil, principalmente, o auxílio vem tendo um efeito muito forte, além do que a gente projetava no início. Então, respondendo objetivamente: os impactos estão sendo muito significativos, nossa resposta não foi imediata, mas, no final das contas, as políticas que vieram estão dando alguma resposta. Mesmo assim, os números mostraram um resultado fortemente negativo: queda de 9,7% do PIB trimestral, sem precedentes nos indicadores do IBGE.

 

Quais setores mais sofreram com o impacto da pandemia?
AMC — Com certeza, o de serviços. Principalmente os prestados às famílias, até pelas próprias características da crise e da necessidade de isolamento, que foi mais forte nos primeiros meses. Mas mesmo com a progressiva abertura, ainda assim você tem regras e protocolos que continuam afetando o segmento intensamente: restaurantes, bares e a área cultural como um todo estão sendo muito afetados e isso já está se registrando no PIB. Vamos lembrar que o setor de serviços é o que tem o maior peso na atividade econômica.

 

Algumas edições do Boletim Focus, estudo semanal do Banco Central, tinham revisto a previsão para o PIB nacional, atenuando a queda prevista, apesar de ter voltado a cair no meio de setembro. O que tem impulsionado essa revisão?
AMC — É preciso contextualizar a questão, lembrando que a crise veio de uma natureza completamente inesperada e diversa de tudo que a gente tinha visto antes. Os modelos de projeção não deram conta dessa crise. Aí veio o auxílio emergencial, que se mostrou mais efetivo do que se esperava, atingindo um contingente muito grande de pessoas e apresentando pra muitas delas um aumento de renda. O FMI chegou a prever uma queda de 9% do PIB, e hoje estamos na faixa dos 5,4% negativos. Essa revisão está se dando justamente em cima dos indicadores que começaram a sair, refletindo um impacto atenuado.

 

Existe algum setor que já pode ser considerado em processo de retomada?
AMC — Na hora em que a gente olha pra alguns indicadores já divulgados pelo IBGE e vê a Sondagem da Construção, da FGV/Ibre, percebemos que quase todos os segmentos têm um movimento de melhora ou, eu diria, “despiora”. Em alguns, isso é mais significativo e em outros, mais lento, como no de serviços — apesar da redução do isolamento social, o protocolo ainda exige que a capacidade de atendimento seja menor, e existe o próprio receio da população de voltar plenamente às atividades. Na indústria, a gente vê a construção recuperar-se. Dentro dela, é importante lembrar que se trata de duas partes: uma, a voltada para pequenas reformas, autogestão; e outra, a formal, realizada pelas construtoras. A formal, considerada atividade essencial, em poucos lugares ficou paralisada completamente. De maneira geral, aconteceu uma redução do ritmo das obras para atender os protocolos dentro dos canteiros. Com isso, a atividade foi atingida, mas de forma diferente dos restaurantes, por exemplo, que tiveram de fechar completamente. O que foi afetado dentro da construção: as vendas de imóveis, pois os estandes de vendas tiveram de fechar. Os lançamentos foram adiados, e as empresas precisaram se reinventar, passando a estimular os canais digitais de vendas e, com isso, reagiram relativamente bem. No caso da autoconstrução, essa foi a grande surpresa, vide que parte do auxílio emergencial claramente está sendo direcionada para essas pequenas obras, sem falar que, mesmo pessoas de média e alta renda aproveitaram o momento pra realizar reformas. Com isso, a demanda por materiais de construção está fortemente aquecida.

“A gente tem de lembrar que ainda estamos num contexto de muita incerteza”

O setor de vidros planos tem como principal consumidor justamente a construção civil. O que esperar para esse setor até o fim do ano?
AMC — Como o ciclo da construção foi atingido, só agora muita coisa começa a ser recuperada, e as empresas começam a retomar planos de lançamentos. Quando se olha a Sondagem, é bastante interessante ver que o segmento que recuperou completamente o nível pré-pandemia foi o de preparação de terrenos, aquele que inicia a obra. A parte de acabamento ainda está num patamar mais distante e, certamente, a retomada desses setores está adiada. Hoje, o que a indústria de vidros pode sentir é o resultado das reformas, mas cuja participação é menor.

 

Em relação ao ramo de automóveis, outro consumidor de nosso material, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) acredita que apenas em 2025 o setor retomará níveis de 2019. É uma perspectiva pessimista ou realista? Outros setores podem se preparar para uma recuperação em longo prazo?
AMC — A gente tem de lembrar que ainda estamos num contexto de muita incerteza. Essa é uma questão muito importante no sentido de determinar o ritmo da retomada. Existe uma aparente recuperação agora, mas isso não quer dizer que vai se manter, porque fomos muito para o fundo do poço. No caso dos automóveis então, a retração foi muito significativa, até por questões de impossibilidade de comprar um carro fisicamente, de acessar as lojas. Aí, num segundo momento, tem a demanda reprimida, de consumidores que tinham condições de comprar e apenas adiaram. Mas isso não significa que essa será a toada. Uma coisa importante: tudo caiu muito, tanto que, mesmo com essa retomada, o resultado consolidado do ano será fortemente negativo. Tudo isso justifica essas projeções, com as quais eu concordo, de que o ritmo de retomada será lento.

 

Uma das grandes questões da indústria nacional é sua histórica baixa produtividade. Segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), entre dezoito nações, o País só fica na frente da Argentina em nível de competitividade. A retomada seria mais rápida se estivéssemos em outro patamar nesse quesito?
AMC — A competitividade é essencial, sem dúvida, para a recuperação. Antes da pandemia, a gente já estava brigando com um ritmo baixo de crescimento, e a baixa produtividade e outros diversos fatores interferem nisso, assim como a qualificação da mão da obra, o ambiente de negócios e, claro, a questão tributária.

“Existe uma aparente recuperação agora, mas isso não quer dizer que vai se manter”

“A grande questão está na sustentabilidade do crescimento.”

Há uma discussão econômica — e ela parece existir, inclusive, dentro do governo — que confronta as políticas voltadas ao desenvolvimentismo e à responsabilidade fiscal. Qual o caminho mais adequado para a retomada do crescimento?
AMC — Talvez a fórmula seja um equilíbrio, no sentido de que efetivamente a questão fiscal é importante, representa uma sinalização inclusive para os investidores. O mundo todo está ciente de que o Estado deve responder com estímulos e suporte para sua população. Por conta disso, há a aceitação de indicadores fiscais que antes não se admitiam, como dívida pública e déficit público. Mas é preciso também uma sinalização de como o governo vai lidar com a questão no médio prazo. Por outro lado, trabalhar isso passa necessariamente pelo crescimento do País. Então, é um equilíbrio em que a ação do Estado é importante, mas não pode ser uma ação desconectada da preocupação com suas dificuldades.

 

É possível para a construção recuperar o bom momento vivido de 2009 a 2013?
AMC — Pra gente conseguir dar um boom, vai precisar do capital externo. E aí entra a lição de casa, seja com um arcabouço regulatório, que traga segurança jurídica para os investidores, mas também com outras questões, como a ambiental. A sustentabilidade ganhou uma importância muito grande para os investidores. Eles estão sendo pressionados internamente por essa necessidade de se olhar para esses requisitos, e nisso nós temos problemas. Instabilidade política e política ambiental podem ser empecilhos.

 

Como o empresário do setor vidreiro, tendo como cliente essa construção civil que acabamos de analisar, pode enxergar o futuro de seus negócios?
AMC — O setor foi afetado por toda a pandemia, e o ciclo de retomada que vinha se desenhando antes certamente foi postergado por conta dos negócios que deixaram de ser realizados. Então, em curto prazo, a perspectiva é menos positiva. Em médio e longo prazos, à medida que vemos o mercado imobiliário respondendo bem e as vendas retomando uma velocidade superior, temos maior perspectiva. A questão é que a efetivação da demanda do mercado imobiliário depende desse contexto macroeconômico, do crescimento do mercado de trabalho, da renda, do crédito. A grande questão está na sustentabilidade do crescimento.

Este texto foi originalmente publicado na edição 573 (setembro de 2020) da revista O Vidroplano. Leia a versão digital da revista.



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