Vidroplano
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Empresas vidreiras avaliam primeiro semestre do ano

22/06/2023 - 21h45

O ano de 2023 anda tão instável para o setor vidreiro que O Vidroplano resolveu voltar ao tema da tradicional reportagem sobre as expectativas do segmento para os negócios, publicada no início de cada ano. Com o primeiro semestre quase fechado, está na hora de fazer balanços, avaliações e se preparar para a sequência dos meses.

Conversamos com economistas e diretores de companhias vidreiras para entender quais foram os movimentos do mercado até aqui e como a atual situação pode afetar os próximos passos de nossa cadeia.

Construção em baixa…
A construção civil, principal consumidora de vidros do País, não vive um bom momento. Como se vê na seção “Caleidoscópio” (clique aqui), o PIB desse segmento caiu 0,8% no primeiro trimestre quando comparado com os três últimos meses do ano passado. Segundo o estudo Indicadores Imobiliários Nacionais, organizado pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) em parceria com o Senai, houve queda de 44,4% no lançamento de unidades residenciais em janeiro, fevereiro e março em relação ao último trimestre de 2022. Na comparação com o início do ano passado, a baixa ficou em 30,2%.

Esses dados se refletem na indústria da construção: a edição mais recente dos Indicadores Industriais, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), revela que a parte dessa cadeia voltada para a transformação está perdendo dinamismo. Após seis meses sem registrar variação negativa, o faturamento real recuou 1,3% em abril, na comparação com março. E, embora o emprego e a utilização da capacidade instalada tenham permanecido estáveis, houve baixa nas horas trabalhadas na produção.

…mas com perspectivas de alta
Apesar do cenário, não há pessimismo. O Índice de Confiança do Empresário Industrial, outro estudo da CNI, avançou 1,2 ponto este mês, subindo de 49,2 para 50,4. Esse resultado demonstra otimismo por parte do setor, quebrando uma sequência de três meses abaixo dos 50 pontos (o que representa falta de confiança). O Índice de Expectativas, medindo o otimismo para o segundo semestre, também aumentou, chegando a 53,5 pontos.

A sensação de que as coisas podem melhorar vem de algumas movimentações do governo federal, como o reestabelecimento do programa Minha Casa, Minha Vida. “É mais um passo para elevarmos os investimentos na construção civil e a consequente geração de emprego e renda”, comenta o presidente da CBIC, José Carlos Martins. Além disso, o corte da taxa básica de juros da economia nacional, a taxa Selic, pelo Banco Central é muito aguardado: isso deve aumentar o poder de compra da população, ajudando na realização de pequenas reformas, e incentivar investimentos.

Automotivo com grandes esperanças
Dos segmentos consumidores de vidro, esse é um que não pode reclamar de 2023 até agora. De acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), maio teve produção 27% maior que em abril, alcançando 228 mil novos automóveis – e as vendas também aumentaram 13%. No consolidado dos cinco primeiros meses do ano, ambos os indicadores estão maiores na comparação com 2022. É importante citar também o programa federal para reduzir impostos e baratear o valor de automóveis no Brasil, o qual deve entrar em vigor em breve. Com ele, a expectativa de crescimento para o restante do ano deve aumentar consideravelmente – tanto que nove montadoras de carros, dez de caminhões e nove de ônibus aderiram ao projeto, colocando à disposição 233 versões de 31 modelos, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

Materiais de construção no aguardo
A pesquisa mais recente da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat) indica queda de 3,7% em abril no faturamento do segmento. No total, os quatro primeiros meses do ano tiveram queda de 6,9%.

Mesmo assim, a entidade prevê crescimento de 2% para 2023. “Continuamos acreditando no crescimento sustentável do setor, com o devido foco dado pelo poder público, como a retomada de obras paradas e de infraestrutura”, explica o presidente da Abramat, Rodrigo Navarro.

Se virá mesmo uma melhora para esses setores, só o tempo dirá. Pelo menos, todos enxergam uma luz no fim do túnel.

E o que o vidro pode esperar?
Agora que vimos um panorama geral sobre outros segmentos, chegou a hora de entender o nosso setor. O Vidroplano pediu a opinião do economista Sergio Goldbaum, da GPM Consultoria, responsável pela apuração e sistematização dos dados do Panorama e pelo Termômetro Abravidro, a respeito dos resultados do primeiro semestre e das possibilidades para o segundo.

O Termômetro mostra um 2023 bastante instável, com recordes negativos e positivos na série histórica, e abaixo da média de 2022 no volume de vendas faturadas de vidros processados. O que é possível analisar desses números?
O primeiro semestre parece confirmar o ciclo de desaquecimento que já se anunciava no final de 2022. Tivemos abril com o pior resultado da série, certamente influenciado pela sequência de feriados naquele mês. Ainda que maio apresentasse o melhor resultado da série, não foi capaz de compensar os resultados negativos de novembro de 2022 e de fevereiro e abril deste ano.

Em relação aos segmentos que consomem vidro, qual a análise a ser feita?
Eles ainda se ressentem do longo ciclo de alta da taxa de juros. Os indicadores de produção do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] para materiais de construção, automóveis, móveis e eletrodomésticos até abril (o dado mais recente) estão todos andando de lado ou caindo.

Quais as expectativas para o segundo semestre, tanto na questão macroeconômica como para o segmento vidreiro especificamente?
O ciclo de alta da taxa de juros certamente começará a ser revertido em breve. A inflação oficial está convergindo para dentro da meta e a inflação medida pelo Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) apresenta forte queda, influenciada pela valorização cambial das últimas semanas. Com isso, a atividade econômica começará a se recuperar, talvez lentamente no princípio. À medida que alguns programas de incentivo começam a sair do papel, a recuperação deve se acelerar.

 

A opinião de nossas empresas
Consultamos novamente as empresas ouvidas para a reportagem de janeiro sobre as expectativas para o ano. As perspectivas delas mudaram seis meses depois? A seguir, confira a opinião de quatro companhias de diversos elos da cadeia e, na sequência, a das usinas.

Daniel Domingos
Eastman
“O primeiro semestre está em linha com o que prevíamos, já que, ao final de 2022, certos desafios em relação ao consumo começavam a surgir, demandando cuidado com o planejamento para o ano que se iniciava. Dessa forma, nosso planejamento foi cauteloso em relação ao cenário macro que se apresentava, o que, de certa forma, acabou se confirmando. Historicamente para nós, o segundo semestre sempre se apresenta com maior demanda, e é com essa perspectiva que estamos trabalhando, principalmente com os produtos de maior valor agregado, como o PVB acústico e o PVB estrutural.”

 

Ricardo Costa
GlassParts
“Tivemos um primeiro semestre de bons negócios, apesar de menores em relação ao mesmo período de 2022. Mas não criamos muitas expectativas por sabermos que iria ser um período de muitas mudanças políticas, o que ocasionaria instabilidade. Já para o segundo semestre estamos otimistas, pois já se sinaliza uma melhora no mercado. Estamos sentindo uma retomada gradual dos investimentos, com maior número de consultas, inclusive por equipamentos de maior porte e também por equipamentos periféricos que agregam uma maior oferta de produtos aos clientes dos beneficiadores.”

 

Yveraldo Gusmão
GR Gusmão
“O primeiro semestre ocorreu sem grandes expectativas, com governo novo, muitas mudanças, insegurança, clientes apreensivos, administrando com cautela. Diria que nosso mercado está sofrendo com estas variações e indefinições. Para o segundo semestre, diante do quadro atual, tenho uma esperança de que possamos reagir. O mercado da construção tem negócios que caminharam no ano passado, antes das eleições, e deve dar continuidade a eles, pois os investidores não podem continuar segurando os projetos, isso é muito prejudicial. O mercado mundial como um todo está muito incerto, mas acredito que o governo vai se mexer para liberar investimentos, baixar juros. A máquina pública depende de faturamento para gerar arrecadação; se o comércio continua sem faturar, não há arrecadação.”

 

Sandro Eduardo Henriques
Sglass
“Obtivemos 40% a mais de vendas que o esperado nesse primeiro semestre, superando e muito nossas expectativas. Apesar da queda da venda de vidro, muitos empresários vêm acreditando e investindo em novos equipamentos com tecnologias mais avançadas. Acreditamos que nossas vendas deverão manter ou mesmo superar o primeiro semestre ao longo do restante do ano, tendo em vista a melhoria de nossos processos internos, com diminuição de custos e consequentemente melhores preços para os clientes. Além disso, historicamente o segundo semestre é sempre mais aquecido economicamente no ramo vidreiro.”

 

Isidoro Lopes
AGC
“Podemos definir o primeiro semestre como bastante desafiador. Com isso, aumenta a necessidade de sempre termos a melhor leitura a respeito das necessidades dos nossos clientes. Devido ao atual cenário um pouco mais conservador do que esperávamos, temos alguns resultados que não estão exatamente em linha com as expectativas projetadas, mas seguimos trabalhando para mitigar esses desalinhamentos e transformar os desafios em oportunidades.

Por enquanto, a performance no Brasil é um reflexo do que está ocorrendo nas outras regiões do mundo, assim como na América do Sul, com preços sendo pressionados e volumes com retração. Acreditamos que as maiores dificuldades para o setor hoje estejam relacionadas à insegurança político-econômica de um novo governo e à polarização que dificulta o diálogo, atrasando as mudanças necessárias para o desenvolvimento. Os desafios econômicos ao redor do mundo, assim como os juros altos, estão prejudicando a demanda na ponta. Além disso, o aumento da entrada de vidros importados na região deixa a situação ainda mais complexa. Os países asiáticos tentam encontrar mercado para sua enorme capacidade produtiva, e isso impacta todo o mercado vidreiro mundial.

Em linhas gerais, todos os setores consumidores de vidro apresentaram queda no consumo de nosso material, com exceção do mercado automotivo, que aumentou o consumo em relação a 2022 devido ao nosso posicionamento nesse segmento.

Acreditamos que o mercado vai reagir positivamente com a diminuição da insegurança e uma acomodação natural do novo governo, que deve conseguir articular as questões político-econômicas, o que vai gerar confiança, motivando o consumo de vidro e a retomada dos investimentos pelos empresários e investidores estrangeiros.”

 

Lucas Malfetano e Manuel Corrêa
Cebrace
“Chegamos ao fim do semestre com muita preocupação, porque havia uma expectativa de o mercado andar ‘de lado’, mas percebemos piora, com volumes abaixo do previsto e o preço em um patamar ainda mais baixo. A preocupação maior neste momento é com o volume de importados no País, pois contam com uma vantagem tributária advinda da histórica guerra fiscal, impactando de forma significativa nosso mercado.

Em geral, o semestre trouxe uma situação bem preocupante para a construção civil. Não só no vidro, mas também em outros materiais, observamos esse movimento que afeta o varejo e traz consequências para toda a cadeia vidreira. A América do Sul, como um todo, enfrenta os mesmos problemas, como vemos na Colômbia e em outros países (com exceção da Argentina, onde a construção civil parece ser um porto seguro contra a inflação).

Ao acompanhar o Termômetro Abravidro, fica evidente a queda na tendência dos volumes e uma consequente degradação das margens dos transformadores, o que, infelizmente, pode estimular descaminhos fiscais. Ainda assim, acreditamos que o pior já passou. A expectativa é de um segundo semestre melhor, conforme acompanhamos a sazonalidade do segmento. Lembrando que os vidros de valor agregado encontram oportunidades para conquistar mais espaço no mercado – e isso depende de nosso empenho e compromisso em disseminar informações e capacitar o setor a respeito do vidro certo.

Nosso planejamento, inclusive, antecipando essas oscilações, calhou de ser realizado no momento ideal em relação às paradas para reforma, a exemplo do que está sendo realizado no forno C4, em Barra Velha. Essa unidade terá no segundo semestre um novo forno totalmente preparado para produzir com redução das emissões de CO2. Isso servirá tanto para a capacidade produtiva do incolor, como para a produção da nova linha de texturizados. Por isso, é preciso manter os investimentos e pensar a longo prazo, enxergando que não podemos abandonar o que precisa e vem sendo feito para manter nosso compromisso com a excelência do nível de serviço e disponibilidade, independentemente das intempéries de mercado.”

 

Renato Poty
Guardian
“No começo do ano, o mercado enfrentou diversas incertezas tanto no âmbito macroeconômico como no político, com impacto significativo na decisão dos clientes de aumentar seus volumes. Como já esperávamos, a construção civil sofreu uma desaceleração nas atividades, devido à redução do poder de compra dos consumidores e ao aumento das taxas de juros, condições que resultaram ainda no adiamento dos lançamentos imobiliários.

Tivemos de continuar trabalhando estrategicamente o equilíbrio da produção e dos estoques para atender de forma responsável as demandas de mercado, sem destruição de valor para nossos clientes e parceiros de negócio. Nós imaginávamos um ano desafiador. Porém, por outro lado, tínhamos a expectativa de que a economia apresentasse algum crescimento, o que não se confirmou. De toda forma, sabemos que, tradicionalmente, o segundo semestre reserva números mais positivos para o setor.

Não temos visto grandes diferenças no desempenho no Brasil em relação ao restante da América do Sul, pois o mercado da região também está impactado por demanda retraída e juros altos. Esse é um contexto global. O que temos visto de maneira mais acentuada em nosso país é um impacto maior na entrada de vidros importados, o que gera desequilíbrio na oferta para uma demanda baixa. É fundamental que sigamos focados na criação de valor no longo prazo para atender a cadeia e manter a busca por competitividade de custos e soluções, de forma responsável e sustentável.

A Guardian tem uma expectativa positiva para o segundo semestre. Felizmente, vemos uma recente retomada de alguns indicadores econômicos que, somada a uma possível queda dos juros, deverão ajudar a alavancar importantes setores da economia que impactam nosso segmento.”

 

Henrique Lisboa
Vivix
“As decisões de longo prazo, como a compra de um imóvel ou até mesmo o início de uma reforma, necessitam de um ambiente em que o consumidor se sinta seguro, o que não vimos acontecer dentro da primeira metade do ano. Juros ainda em patamares elevados e a desaceleração da indústria já no último trimestre do ano passado, bem como incertezas no campo econômico, têm adiado a retomada da construção.

Em relação ao vidro, o primeiro semestre se comportou diferentemente de nossas projeções. Janeiro foi um mês no qual a retomada foi mais lenta que em anos anteriores, e o que vimos de fevereiro em diante foi um mercado em compasso de espera. O baixo nível de atividade da construção impacta todos os segmentos do mercado, não se restringindo apenas ao vidro plano: tintas, cerâmicos e vendas do varejo apresentaram resultados aquém do esperado. Como comparação, a indústria brasileira como um todo apresentou retração de 0,1% no primeiro trimestre, após uma retração de 0,3% no último trimestre de 2022. O mercado de vidro plano também se retraiu nesse período.

Por outro lado, o avanço no Congresso das votações sobre o novo teto de gastos deve estimular os agentes econômicos na retomada de investimentos, além de abrir espaço para uma gradual redução nos juros. Com uma nova perspectiva sobre investimentos, emprego e renda, acreditamos que o mercado da construção e o setor vidreiro possam experimentar um novo ciclo de recuperação.

Os desafios para o segundo semestre continuam relacionados a questões de confiança do consumidor, juros e grau de endividamento das famílias. Não obstante, acreditamos que, com as sinalizações do governo, teremos o ambiente necessário para a retomada. No segundo semestre, inclusive, iniciaremos a terraplenagem para nossa segunda planta.”

Este texto foi originalmente publicado na edição 606 (junho de 2023) da revista O Vidroplano. Leia a versão digital da revista.

Crédito da foto de abertura: william87/stock.adobe.com



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