Vidroplano
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Identificar as duas faces do float é essencial

22/04/2021 - 11h57

Quando você olha para os dois lados de um float, eles são a mesma coisa, certo? As aparências enganam. As duas faces têm diferenças importantes — e saber identificar cada uma é fundamental para garantir o processamento correto da chapa.

A origem das diferenças
Durante o processo de fabricação, depois que a matéria-prima é fundida, a massa vítrea resultante é despejada em uma piscina de estanho líquido em uma atmosfera controlada conhecida como “banho” de estanho. “Nesse processo, o vidro flutua por diferença de densidade no estanho líquido, onde ganha forma, espessura e largura. O processo garante as propriedades ópticas desejáveis com baixíssimos níveis de distorção”, detalha Fábio Reis, gerente técnico-comercial da Guardian.

É nessa etapa que as faces do float se diferenciam. “Isso acontece porque uma das suas superfícies está diretamente em contato com o estanho fundido, enquanto a outra fica em contato apenas com o ar inerte do ambiente do forno”, complementa Cláudio Lúcio da Silva, instrutor técnico da Abravidro. As duas superfícies podem ser chamadas, respectivamente, de “lado do estanho” e “lado do ar”.

A olho nu, não se nota qualquer diferença entre elas. Mas, vistas com as ferramentas certas, a história muda. Luiz Barbosa, gerente técnico de Vendas da Vivix, explica: “Ao olhar o vidro com um microscópio, verifica-se que ele é poroso, tal como uma esponja. Na fabricação, o lado do ar ainda apresenta microporosidade, enquanto na outra face a superfície está selada, pois o estanho forma uma fina camada por cima dela”.

“Durante a etapa de resfriamento e recozimento do vidro, a face do estanho fica em contato com os rolos transportadores”, detalha Ramon Peres, supervisor de Qualidade da AGC. Isso contribui para a absorção dos resíduos do banho de estanho pela superfície da chapa.

Como saber qual é qual?
A identificação do lado do estanho ou do lado do ar é muito importante, pois diferentes trabalhos feitos na processadora podem exigir um lado específico para que se obtenha melhor desempenho, alerta Cláudio Lúcio, frisando que a escolha da face certa para cada finalidade desejada proporciona vários benefícios. Veja alguns:

– Melhor adesão;

– Melhor resistência;

– Menor frequência de problemas e defeitos resultantes no processo (como riscos e manchas);

– Melhoria nos atributos estéticos e nos requisitos técnicos do produto;

– Adequação da efetividade do vidro.

 

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Mas como se faz isso? Wender Cotrim, gerente-industrial da Vitral Vidros Planos, responde: “Existem diversos métodos artesanais para identificação do lado, como os testes do tato e da gota de água. Porém, nenhum é tão eficaz como o uso de um detector de estanho”. Constituído basicamente por uma lâmpada ultravioleta de ondas curtas, sua iluminação, ao banhar a superfície do vidro pelo lado do banho de estanho, faz com que a peça apresente aspecto esbranquiçado e ‘nublado’. Caso a face em contato direto com a luz seja a do ar, os raios ultravioleta passam por ela normalmente.

 

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Outra possibilidade é a localização da linha de Hertz: “O lado do ar é facilmente identificado observando a borda da chapa de vidro; ele é o lado da aresta que apresentar a linha de Hertz [microtrincas resultantes do rodízio de corte feito ainda na usina de base]”, explica Cláudio Lúcio.

Após essa verificação, o instrutor técnico da Abravidro recomenda a colocação de etiqueta no float a fim de permitir que os profissionais no chão de fábrica saibam qual é cada face, do início ao fim do processo.

O lado certo para cada etapa

Corte
A face ideal para essa etapa é a do ar. De acordo com Cláudio Lúcio, “ela resulta em um destaque de forma mais limpa, tanto nas arestas das peças como nas do revestimento da forração da mesa onde essa tarefa é feita, o que resulta em menor índice de chapas riscadas”.

 

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Serigrafia
Em geral, recomenda-se a aplicação dos esmaltes na face do ar. “O uso no outro lado pode levar a distorções de cores após a queima, devido às reações dos metais contidos no esmalte com o resíduo de estanho do float”, orienta Adalberto Ferrari, gerente de Vendas na área de Esmaltes para Vidro e Porcelana da Ferro. Contudo, há exceções: “No caso dos vidros traseiros automotivos, onde são aplicadas as pastas de prata com função de desembaçador, utiliza-se a face do estanho, devido à reação que essas pastas têm com o estanho, formando uma cor bronze nos filetes dos desembaçadores”.

 

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Camila Batista, engenheira de Desenvolvimento de Produto da Cebrace, faz outra observação sobre o lado do estanho: se a opção for pintá-lo, é importante levar em conta que tintas especiais devem ser usadas para este fim. “Nesse caso, também é necessária a realização prévia de testes para homologação da estética da tinta nesta superfície.”

Laminação
O lado certo para esse processo depende do tipo de interlayer usado:

– Para laminações com PVB, EVA ou resina, Cláudio Lúcio indica que o lado em contato com o interlayer seja o do ar: por sua superfície ter maior rugosidade e, consequentemente, maior área de contato e estabilidade química, ele propicia maior ancoragem química e mecânica.

– Renato Santana, coordenador de Qualidade e Lean Manufacturing da GlassecViracon, aponta que a face do estanho deve ser usada se o interlayer for estrutural, como o SentryGlas. “Isso acontece porque a reação entre o produto e o lado do estanho proporciona a adesão ideal para o laminado. No caso do SentryGlas, o uso em contato com a face do ar resulta em baixa adesão e pode levar à delaminação.”

Têmpera
De acordo com Santana, da GlassecViracon, não há nenhuma restrição em relação aos lados do vidro na têmpera. Já Cláudio Lúcio recomenda que o lado do estanho seja colocado em contato com os rolos do forno de têmpera, “pois isso resulta em tempo de aquecimento relativamente menor para a obtenção da mesma temperatura final absorvida pela massa das peças de vidro”.

Renato lembra que no caso dos vidros revestidos, “a face na qual o coating foi aplicado deve estar sempre voltada para cima, tanto na etapa de corte como na de têmpera”.

 

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Reação à umidade
– Cotrim, da Vitral, ensina que, ao manusear os vidros com ventosas a vácuo, o contato delas deve ser sempre com o lado do ar. “A área de contato das ventosas poderá deixar marcas na superfície da face do estanho, especialmente em ambientes com alta umidade.”

– Contudo, o lado do ar é mais suscetível ao surgimento de manchas esbranquiçadas (fase 1 de irisação) quando o vidro permanece molhado e empilhado secando ao ambiente. Cláudio Lúcio explica que isso se dá devido à solubilização do sódio livre (mais presente nessa face do vidro) em reação com o pH alcalino da água usada na lapidação, furação e outras máquinas, quando ela não é tratada antes do seu reaproveitamento.

 

Instalador também precisa de atenção
Embora esta reportagem seja direcionada para o processamento do vidro, as diferenças entre as duas faces também influenciam no desempenho de sua aplicação, dependendo da face utilizada. A seguir, algumas dicas:

– A superfície mais rugosa do lado do ar torna-o mais adequado para a colagem do vidro, seja com fitas dupla-face ou selantes de silicone ou poliuretano;

– Já na instalação de janelas, peles de vidro, vitrines e boxes de banheiro, recomenda-se que o lado do estanho seja aquele submetido ao contato com a água e intempéries, minimizando os efeitos de manchas causadas por maresia, chuvas, poluição ou produtos alcalinos (como sabonetes).

Este texto foi originalmente publicado na edição 580 (abril de 2021) da revista O Vidroplano. Leia a versão digital da revista.



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