Vidroplano
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O Vidroplano entrevista idealizadora do Ano Internacional do Vidro

02/02/2023 - 16h16

2022 foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional do Vidro. Ao longo desse período, centenas de atividades relacionadas ao nosso material foram realizadas ao redor do mundo – e você conferiu algumas delas aqui na O Vidroplano. Iara Bentes, editora da revista, conversou com Alicia Durán, professora e pesquisadora do Conselho Superior de Pesquisas Científicas (CSIC) na Espanha e uma das idealizadoras da data. Alicia contou como surgiu a ideia para a celebração de nosso material, fez um balanço sobre as atividades realizadas ao longo dos últimos doze meses e apontou caminhos para o futuro do setor.

Como foi o processo para a organização do Ano Internacional do Vidro?
Alicia Durán – Creio que podemos dizer que tudo começou em 2014, quando a fabricante Corning sugeriu que estávamos entrando na “Era do Vidro”, apontando que diversas aplicações do material vêm afetando a evolução da humanidade com tanta intensidade que esse seria um período comparável à Era do Bronze ou à Era do Ferro.

Essa ideia foi crescendo, com diferentes publicações justificando-a e a reforçando, até que, em 2018, período em que fui presidente da International Commission of Glass [ICG – Comissão Internacional do Vidro], aceitei o desafio de buscar que a ONU nomeasse 2022 como o Ano Internacional do Vidro.

Começamos então a procurar por apoiadores e copatrocinadores. A Community of Glass Associations [CGA – Comunidade de Associações Vidreiras] e o International Committee for Museums and Collections of Glass [ICOM-Glass – Comitê Internacional de Museus e Coleções de Vidro] juntaram-se a nós para fazer essa proposta e organizar uma campanha internacional de apoio, que reuniu mais de 2.500 instituições de 96 países, incluindo 450 museus, mostrando que a iniciativa teve grande aceitação por todos os campos do vidro e por todas as partes do mundo.

Nós preparamos todos os documentos necessários, incluindo um principal com cerca de 30 especialistas justificando as diferentes aplicações do vidro e como ele contribui para 11 das 17 metas de sustentabilidade da Agenda 2030 da ONU. Nossa intenção era conseguir a aprovação da resolução antes de fevereiro de 2020 – então veio a pandemia e mudou todos os planos, pois a sede das Nações Unidas ficou totalmente fechada por três meses. Além disso, era preciso que a proposta fosse aprovada por unanimidade em votação.

Foi um longo processo, mas finalmente conseguimos unanimidade na Assembleia-Geral em 18 de maio de 2021. A partir daí, organizamos 18 comitês regionais formados geograficamente e por linguagem – por exemplo, o Brasil teve um comitê regional próprio, porque tem um grande campo de vidro com uma linguagem, enquanto outro comitê foi formado pela Argentina, Bolívia, Chile, Peru e Uruguai.

O vidro está em toda parte, seja na construção civil, na tecnologia ou mesmo nas artes. Você considera que o Ano Internacional do Vidro contribuiu para conscientizar a sociedade que não trabalha no setor sobre o nosso material e seus benefícios – isto é, a levar esse conhecimento para além da comunidade vidreira?
AD – Esse foi um dos nossos principais objetivos: a ideia era “tornar visível o invisível”. As pessoas percebem os recipientes de vidro, os envidraçamentos nas edificações e os para-brisas em automóveis, mas há outras aplicações muito importantes que nem sempre são reconhecidas, como o uso de vidros planos em painéis para geração de energia fotovoltaica ou o papel das fibras ópticas. Basta imaginar como teria sido o período da pandemia sem acesso à Internet, por exemplo, que permitiu que professores e alunos continuassem com as aulas e que pudéssemos nos manter em contato a distância com nossas equipes de trabalho, amigos e famílias.

Nesse sentido, acho que nós conseguimos ultrapassar os limites dos campos do vidro e fazer muitas pessoas ao redor do mundo perceberem suas inúmeras aplicações e o potencial dele para aumentar a sustentabilidade. O número de eventos foi impressionante: congressos, conferências, livros publicados, webinars… Para se ter uma ideia, um dos comitês regionais registrou 150 atividades apenas no segmento da arte.

Penso que a meta mais importante que alcançamos foi a criação de uma rede de networking com cerca de 2.500 instituições, de mais de 90 países, de campos que vão da ciência e tecnologia à construção civil, arte, educação e tantos outros, todos unidos e trabalhando juntos nessas atividades. Esse é um capital que não podemos perder, temos de pensar agora em como fortalecer essa rede.

A sustentabilidade é hoje uma grande preocupação mundial, e sabemos que a nossa indústria tem dedicado esforços para ser cada vez mais sustentável. De que maneira podemos garantir um melhor uso do nosso material para auxiliar a agenda da sustentabilidade?
AD – Nosso último pedido feito à ONU foi o apoio da comunidade vidreira na área da sustentabilidade. Nós temos como avançar ainda mais nessa área, mas é preciso que haja legislações dando suporte a isso. O vidro pode ser reciclado infinitamente, sem nunca se tornar um resíduo. Temos de aproveitar isso e assegurar que o vidro nunca vá parar no lixo, lembrando que o uso dele reciclado contribui para a redução nas emissões de CO2 e na economia com energia, mas essa reciclagem precisa ser organizada e realizada no mundo inteiro, não apenas em alguns países.

Vamos escrever e produzir um relatório sobre esse assunto com as conclusões. A ideia é pedir para todas as organizações regionais adotarem a mesma padronização nos seus relatórios, para que todos possam ser compilados e combinados, sendo possível assim olhar a extensão total dos resultados. A partir daí, é obter as ferramentas para convencer a ONU a converter essas recomendações em leis, com o compromisso e a participação de governos locais, nacionais e internacionais.

Quais são as principais ferramentas, na sua opinião, para que as pessoas conheçam mais sobre o vidro e usem mais esse material em diferentes áreas?
AD – A educação é uma das principais: temos de incluir tópicos sobre o vidro desde o começo da formação. As crianças são as pessoas mais importantes para que haja essa integração da ideia de sustentabilidade, e temos exemplos muito bons de atividades feitas em países como a Índia e Filipinas para apresentar diferentes contextos aos alunos, como o uso do vidro para segurança.

Você observou alguma tendência para o futuro do nosso material durante essa agenda intensa de atividades do Ano Internacional do Vidro?
AD – Sim: há o avanço na área de biovidros na medicina, por exemplo, que podem contribuir para a regeneração de ossos ou no tratamento do câncer. Em relação ao vidro plano, vejo que precisamos pensar em substituir os combustíveis fósseis usados na sua fabricação por outras alternativas. Há um projeto para o forno do futuro, no qual as maiores empresas vidreiras estão participando, a fi m de tentar substituir o gás natural por hidrogênio verde, e também para funcionar com energia elétrica a partir de fontes renováveis, como fotovoltaica ou eólica. É o primeiro grande projeto em que todas as grandes fabricantes de vidro plano estão juntas, porque é algo em que todas saem ganhando.

Outra tendência é o aumento do uso de vidros reciclados nos fornos para a fabricação de novas peças. O resultado mais importante nesse segmento em 2022 foi da Saint-Gobain, que relatou que em maio, pela primeira vez, produziu 2 mil t de float sem emissão de CO2 e com 100% de uso de vidro reciclado.

Há ainda o potencial no retrofit de envidraçamentos, trocando peças simples por produtos de controle solar e/ou insulados: em cidades como São Paulo ou Sevilha, essa substituição pode reduzir o consumo de energia nas edificações em mais de 90%. Pensando nisso, seria importante haver uma legislação que incentive ou obrigue as construtoras a adotar essas novas soluções em suas obras.

O que podemos esperar daqui para a frente em nosso setor?
AD – Nós chegamos ao final do Ano Internacional do Vidro, mas ainda temos um legado a manter, muitos projetos para dar continuidade, mantendo o vidro como um protagonista nas áreas de sustentabilidade e bem-estar. Esse é o nosso compromisso e, para isso, esperamos que a grande rede formada em 2022 continue viva e ativa para que todos continuemos trabalhando juntos, alcançando ainda mais objetivos do que os já alcançados nos últimos doze meses.

Este texto foi originalmente publicado na edição 601 (janeiro de 2023) da revista O Vidroplano. Leia a versão digital da revista.

Crédito da foto de abertura: Divulgação



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