Vidroplano
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Precisamos falar sobre anisotropia

19/02/2018 - 19h13

Anisotropia não é uma questão nova para o nosso setor. Estudos, análises e descobertas em relação ao assunto têm sido feitos ao longo dos anos. O Vidroplano esteve com especialistas nacionais e estrangeiros, além de fabricantes de maquinários, com o objetivo de trazer aos leitores um panorama completo sobre o tema. O resultado está nas páginas a seguir, imperdível para os processadores que estão sempre à procura do beneficiamento perfeito. Confira as características desse fenômeno, por que ele existe e como identificá-lo. Saiba também se pode ser controlado e conheça ainda a visão do mercado sobre o assunto.

O que é?
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Antes, alguns conceitos para entendermos: a anisotropia ocorre quando as propriedades físicas de um material se tornam diferentes dependendo da direção em que são analisadas. Existem vários tipos de anisotropia, como a elétrica e a magnética, por exemplo. No caso do vidro, ela é óptica.

Na prática, ela se manifesta como manchas em nosso material, visíveis em determinadas condições de luz e posições de observação.

Mas, atenção: não confunda anisotropia com irisação, que também forma manchas (aquelas “coloridas”, parecidas com óleo derramado), mas é causada a partir da degradação alcalina da superfície do vidro.

Todo vidro pode ter anisotropia?
Ela ocorre em todos os vidros que possuam diferenças significativas de densidade em seu interior (ao longo da sua espessura), decorrência do beneficiamento por tratamento térmico, como têmpera convencional, e curvação, entre outros.

Por que as manchas aparecem?
As causas são múltiplas — e existe uma hierarquia entre elas. Como explica Cláudio Lúcio da Silva, instrutor técnico da Abravidro, a causa inicial e mais relevante é a velocidade de aquecimento da peça de vidro durante o processo de têmpera térmica convencional, dentro da faixa de 490 ºC até 550 ºC (medida na massa do vidro). Quanto maior a velocidade de aquecimento, mais as manchas poderão aparecer, tendo maior intensidade — conforme mostra a tabela abaixo.

Velocidade de aquecimento em ºC/s dentro da faixa de 490 ºC até 550 ºC(temperatura medida na massa do vidro)
Intensidade da mancha
Frequência da mancha
Até 0,3 Indetectável -
Maior que 0,3 a 0,6 Muito baixa Muito baixa
Maior que 0,6 a 0,9 Baixa Baixa
Maior que 0,9 a 1,2 Presente Média
Maior que 1,2 a 1,5 Intensa Alta
Maior que 1,5 a 1,8 Muito intensa Muito alta
Maior que 1,8 a 2,1 Severa Plena

Fonte: Cláudio Lúcio da Silva

Outros fatores se somam a essa causa inicial, contribuindo para a formação dos vários formatos característicos desse efeito:

IMG_1754- Homogeneidade dos irradiantes de infravermelho, faixa de emissão de infravermelho e ajuste adequado do perfil térmico;
– Condições técnicas do sistema de aquecimento, conservação dos rolos do aquecedor e refratários;
– Temperatura final alcançada pelo vidro que sai da zona de aquecimento. Deve ser sempre maior que 620 ºC e menor que 640 ºC (medido na massa da peça). Atenção ainda para o adequado ajuste de emissividade do medidor de temperatura a laser em função do tipo, cor e espessura da peça a ser medida;
– Tipo de bico, características dimensionais do leque, ângulo e altura de incidência do leque do ar no isolante utilizado (encordoado em aramida ou kevlar) no rolo do resfriador. Considerar também a limpeza do sistema e a desobstrução dos bicos, assim como a geometria e a qualidade do isolante utilizado no rolo do resfriador;
– Redução significativa da velocidade de oscilação, ou mesmo a paralisação da peça, sob a ação do jato de ar do resfriador se a temperatura medida na massa do vidro ainda não está abaixo de 490 ºC.

Como identificar a anisotropia?
Ela é mais perceptível quando se observa uma instalação envidraçada sob certas condições:

– Pela manhã, ou duas a três horas antes do pôr do sol;
– A um ângulo próximo a 30 graus em relação ao observador e a fonte de luz incidente.

Qual a explicação? As manchas são visíveis quando há muita luz polarizada, (aquela que não é direta, mas sim refletida pelo ambiente ao redor), exatamente a encontrada nesses horários. Ocorre, então, o efeito de dupla reflexão (ou dupla refração) no vidro, fazendo com que se enxerguem as manchas dependendo do ponto de vista do observador e da fonte de luz — e também se são vistas do lado de dentro ou de fora da instalação.

As manchas podem ser ainda mais facilmente vistas nos vidros com películas antivandalismo aplicadas em sua superfície interna e/ou com películas refletivas ou coloridas na superfície externa, em instalações com incidência de luz ambiente polarizada.

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Anisotropia é defeito de qualidade?

A NBR 14698 — Vidro temperado define a anisotropia como “característica óptica do vidro temperado inerente ao processo de têmpera”. O documento também diz que:

“O processo de têmpera produz áreas com esforços diferentes na seção transversal do vidro, produzindo um efeito de dupla reflexão, que é visível sob luz polarizada. Esse efeito manifesta-se sob a forma de manchas coloridas. A luz polarizada ocorre durante o dia e sua quantidade depende da estação climática do ano e do ângulo do sol.”

Reginaldo Moreira, da Teknokilns, frisa que “sua presença de forma alguma afeta a qualidade da têmpera ou outra característica das chapas, como a segurança”. Alfredo Bresciani, da TK, segue a mesma linha e lembra que a norma europeia UNE-EN 12150-1 indica que as manchas desse tipo não devem ser consideradas defeito.

O problema está na aparência das peças manchadas, as quais podem dar a entender que são de má qualidade. Como a estética é um dos principais argumentos para o uso do material, isso pode afetar seu uso em determinados projetos. Para Marcio Sato, supervisor de Pesquisa e Desenvolvimento da Glaston South America, o que se tem percebido é que o mercado se tornou mais exigente. “Acredito que não vá demorar muito para que seja feita uma norma específica a respeito”, analisa.

“O problema da anisotropia é inerente ao temperado, mas também já se sabe que podemos diminuir ou quase eliminá-lo com técnicas na fabricação do equipamento de têmpera”, revela Sandro Henriques, diretor da brasileira SGlass.

A visão do mercado
“A anisotropia foi tema recente de estudos, além de estar em workshops e palestras como as do GPD”, comenta Saverio Pasetto, diretor técnico da construtora Skanska Building.

Em 2014, para realizar uma monografia para a Universidade de Bath (Inglaterra), Pasetto entrevistou 35 arquitetos, consultores e especialistas em fachadas. Uma das perguntas era se a anisotropia pode ser considerada um defeito do vidro — 26% responderam “sim”. Quase metade desses profissionais afirmou ainda que teve problemas do tipo em mais de 50% dos projetos nos quais trabalhou nos três anos anteriores à pesquisa.

Graças a esse senso comum dos clientes, as fabricantes de equipamentos estão desenvolvendo tecnologias. “Visando à homogeneidade da produção, investimos em controles de aquecimento e resfriamento”, revela Sandro Henriques, da SGlass.

Uso de convecção ou câmaras de pré-aquecimento são outras soluções viáveis, assim como sistemas de colchão de ar, resolvendo alguns dos fatores que permitem a anisotropia. “Diferente dos equipamentos tradicionais, o vidro não entra em contato com rolos, pois flutua sobre jatos de ar”, comenta Leandro Barreta, engenheiro de Vendas da Lisec. A Keraglass também possui diferenciais: “Os furos para a saída do fluxo de ar dos bicos de resfriamento são de diâmetros diferentes, e deslocados uns dos outros, reduzindo drasticamente o efeito”, explica a assistente de Vendas, Orietta Gualtieri.

 

É possível controlar a anisotropia?
Para o instrutor técnico Cláudio Lúcio, a melhor vacina para minimizar e reduzir a situação é:

– Conhecer tecnicamente toda a física envolvida na têmpera térmica convencional;
– Utilizar parâmetros técnicos de processos corretos;
– Ter maquinários com tecnologias, conservação e manutenção adequadas;
– Operá-los corretamente.

“A falta de conhecimento adequado por parte de agentes do mercado fez com que, ao longo do tempo, soluções com vidro tivessem a reputação comprometida”, explica Cláudio Lúcio. Felizmente, o setor como um todo está interessado em reverter o cenário.

O diretor de Negócios da Glaston, Miika Äppelqvist, aponta em um artigo, com o título O que é anisotropia e cinco formas de reduzi-la no vidro temperado, dicas para a redução:

1- Identifique o que causa o problema — aquecimento ou resfriamento;
2- Diminua a temperatura do forno e aumente o tempo de aquecimento. Isso fará com que as chapas sejam aquecidas mais uniformemente;
3- Minimize os pontos de parada da chapa dentro do forno — tenha certeza de que o equipamento suporta isso;
4- Limpe os bicos de ar do sistema de resfriamento. Nenhum deles pode estar entupido ou bloqueado;
5- Ajuste a velocidade de transferência para o resfriamento, fazendo com que o primeiro ponto de parada na área tenha a menor temperatura possível.

 

Como medir a anisotropia?
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O nível do efeito é difícil de ser quantificado, ao contrário de outras marcas que podem surgir nas peças durante o beneficiamento (como ondulações causadas por rolos). A anisotropia se apresenta em variados formatos, como os abaixo:

Porém, começam a surgir formas de medi-la. A Glaston, por exemplo, possui o iLooK Anisotropy, uma solução online que digitaliza as chapas e permite a visualização das manchas. Sabendo o nível de anisotropia de seus produtos, as empresas poderão ajustar os processos produtivos.

20170628_170143No Glass Performance Days 2017, maior congresso vidreiro do mundo, a palestra de Romain Decourcelle (Saint-Gobain Glass), Guillaume Kaminski (Eckelt Glas) e Francis Serruys (Saint-Gobain Building Glass Europe) abordou um viés importante da questão: com informações coletadas a partir dessas medições, será possível definir classes de anisotropia e padronizar referências.

Este texto foi originalmente publicado na edição 542 (fevereiro de 2018) da revista O Vidroplano. Leia a versão digital da revista.



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