Vidroplano
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A presença das mulheres no setor vidreiro

23/03/2020 - 13h42

Em março de 2011, O Vidroplano fez uma reportagem de capa sobre o aumento da presença de mulheres no chão de fábrica das empresas vidreiras. Na época, coletamos informações e falamos com profissionais de diversas processadoras. Quase uma década depois, em mais um mês do Dia Internacional da Mulher, voltamos ao assunto de forma mais ampla: como é a posição delas em nosso setor, historicamente dominado pelos homens? Antes, vale olhar a situação do mercado de trabalho nacional como um todo.

 

Carteira pouco assinada
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE, a população brasileira é composta por 48,3% de homens e 51,7% de mulheres. Porém, mesmo sendo maioria no País, são minoria no mercado de trabalho formal: representam 44% das pessoas com carteira assinada.

Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), dos 2,6 milhões de empregos em cargos de chefia em 2017, elas somavam 43,8% do total, número maior que o de anos anteriores. Porém,
sua remuneração equivalia a somente 69,8% da dos homens. Ou seja: mesma função, salário menor. E tem mais notícias
negativas: pesquisa do instituto de ensino Insper mostra que apenas 13% dos CEOs em empresas nacionais são mulheres.

 

Na indústria
A indústria de São Paulo contava em 2018 (último dado disponível), segundo a Rais, com 12,1% dos empregos ocupados
pela força de trabalho feminina. Outras regiões, no entanto, apostam mais nelas: de acordo com a Federação das Indústrias de Mato Grosso do Sul (Fiems), o Estado tem 24,5% de mulheres nesse setor, enquanto o Paraná conta com 32%, segundo a Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep).

As trabalhadoras paranaenses são mais graduadas no Ensino Superior que os homens, além de procurarem mais cursos de pós-graduação. “Os números apontam que as mulheres buscam mais qualificação e estão dispostas a estudar para se aperfeiçoar e ter estabilidade na profissão”, comenta o economista da Fiep, Evânio Felippe, em reportagem no site da entidade.

 

E em nosso setor?
A Rais 2018 indica que:
O mercado vidreiro conta com 41.256 pessoas com vínculos ativos na atividade “fabricação de vidro e de
produtos de vidro”, sendo:
• 33.068 homens;
• 8.188 mulheres, o equivalente a
menos de 20% do total;

A maior quantidade de mulheres (5.636) está em cargos com menor remuneração (de um a três salários
mínimos), possivelmente no chão de fábrica ou em tarefas que não têm ligação direta com a produção;

A disparidade em cargos de liderança também é perceptível: das 3.320 pessoas com remuneração acima de sete salários mínimos, apenas 441 são mulheres (13,2%). Isso mostra que a maioria delas não tem autoridade nas empresas em que trabalham.

 

No comando
Mesmo com poucas profissionais em cargos gerenciais no setor, existem exemplos que derrubam ideias preconcebidas.
As usinas nacionais, geralmente, têm equipes de marketing e vendas quase inteiras formadas por mulheres – apesar de nenhuma jamais ter ocupado o posto mais alto dessas companhias ao longo das décadas.

A processadora Italajes, de Itajaí (SC), conta com uma gerente-geral há quatro anos. Dayse Corrêa Werlich começou sua jornada por lá há quase uma década como auxiliar-fiscal, tendo exercido algumas funções antes de fazer parte do setor de controladoria. Depois, com o crescimento das operações, surgiu a necessidade de a empresa
criar a posição de gerente-geral. A escolha de quem a ocuparia era óbvia: “Dayse sempre esteve antenada em tudo que se passava na empresa, em todos os setores, demonstrando o quanto era capaz”, explica o diretor Sandro Osmar da Veiga.

Formada em administração, ela se especializou com uma pós-graduação em custos e engenharia de produção, além
de em diversos outros cursos – o que valida o estudo da Fiep citado anteriormente: mulheres se aperfeiçoam profissionalmente em busca de melhores oportunidades na carreira.

Sobre preconceito, Dayse afirma nunca ter sofrido. “Justamente por eu ter crescido com a produção, ter mantido esse
vínculo, fui bem acolhida. Sou sortuda por também terem me dado uma chance, pois, em muitos outros lugares poderia não ter acontecido. Infelizmente, às vezes, não se olha para o profissional, mas apenas para a pessoa”, analisa a gerente-geral.

 

A importância de falar sobre o tema
Criar eventos para discutir essa presença feminina em nosso setor é algo já feito por empresas e entidades. O Sindividros-RS organiza, desde 2018, o Vidro Delas, encontro que integra o programa de qualificação profissional do sindicato gaúcho, o Qualividros.

No começo de março, em Guarulhos (SP), a Blindex preparou o 1º Fórum Transparência com Elas, cujo objetivo era promover a inclusão e a diversidade a partir de debates sobre temas como liderança, empreendedorismo e empoderamento feminino no mercado profissional. Participaram empresárias e líderes de departamentos
de processadoras, fabricantes de acessórios, comerciantes do varejo e franqueadas da marca.

A diretora e executive coach da Plenamente Consultoria, Ana Lícia Reis, uma das palestrantes, desmitificou conceitos em relação à diferença entre a liderança de homens e mulheres. “O homem tem aspectos femininos, assim como a mulher
tem aspectos masculinos. Só que subjugamos esses aspectos femininos ao longo dos tempos. No entanto, existe
uma demanda do mundo para o resgate dessas características”, afirmou. “É importante trabalharmos não a oposição entre os dois lados, mas, sim, a busca pelo desenvolvimento usando as qualidades de ambos”. E Ana ainda deixou esse recado: “Os setores que demorarem muito para tomar consciência e trazer para dentro de si empatia, colaboração, visão sistêmica e sustentabilidade – que são características tipicamente femininas – vão sofrer mais”.

Para Glória Cardoso, gerente de Marketing e Vendas da Blindex, a tendência mundial de incluir mulheres nas cadeias
de comando é um caminho sem volta. “É importante analisar como as empresas estão preparadas, ou não, para lidar com as lideranças femininas que já são realidade”, comenta. “Hoje, há uma convergência para que essa liderança seja reconhecida como tal e também para que esses cargos sejam oferecidos às profissionais.”

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1º Fórum Transparência com Elas, da Blindex: evento promoveu debates sobre liderança, empreendedorismo e empoderamento feminino no mercado profissional.

 

 

Olhares
Rosenilda de Souza, natural de Angra dos Reis (RJ), é proprietária da Roseglass Vidraçaria (que conta com três funcionários) e trabalha há cinco anos no setor – segundo ela, começou por necessidade de um emprego e virou paixão
pela profissão. “Ser mulher nesse tipo de ocupação exige muita coragem e determinação. Mas também acho que não tem mais delas por medo de serem masculinizadas.”

Rose já passou por situações inacreditáveis para um profissional do setor – como um cliente que, ao perceber que seria ela, uma mulher, a instalar uma porta envidraçada em sua casa, inventou desculpa qualquer para o serviço não ser realizado, contratando um homem para a tarefa logo na sequência. “Alguns clientes ainda perguntam ‘é você quem vai fazer?’, e ficam por perto olhando. Não sei se por admiração ou se para ver se o serviço vai dar certo”, comenta.

Segundo ela, é difícil estar preparada para algo assim. A melhor estratégia contra isso é o próprio trabalho bem feito,
com limpeza e organização – coisas que, para Rose, são características mais fortes na mulher que nos homens.

“Foi o tempo que mudou as coisas. Peguei uma, duas obras, as pessoas começaram a ganhar confiança – e assim até chegar onde estou no momento”, relembra. Atualmente, 90% de seus clientes a procuram por indicação, sendo a maioria interessada em instalações de grande porte. “Não tem como limpar de dentro do ser humano um preconceito, seja ele qual for. É só o tempo mesmo.”

 

Este texto foi originalmente publicado na edição 567 (março de 2020) da revista O Vidroplano. Leia a versão digital da revista.



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