Vidroplano
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Trabalho com vitrais: como são feitos

27/01/2020 - 12h28

Surgido muitos séculos atrás, o vitral cresceu como um elemento ligado à simbologia religiosa: ao longo dos tempos, sempre foi instalado em igrejas e catedrais, mostrando imagens de santos ou narrando passagens bíblicas. No entanto, sua aplicação moderna inclui não apenas esses lugares, como veremos a seguir.

Nas próximas páginas, conheça mais sobre essa estrutura que, apesar de ser antiga, pode trazer modernidade aos ambientes. Aprenda como é feito, quais tipos de vidro são utilizados, os segredos de sua instalação e como anda o mercado nacional para esse produto.

O vidro correto
O tipo de nosso material a ser usado em um vitral faz toda a diferença: eles devem ser coloridos de fábrica. “Esse é um ponto muito importante. A pintura é feita somente em sombras, detalhes de rostos, pés, mãos ou outros desenhos”, explica Sunniva Geuer Simmelink, gestora-comercial da Vitrais Ton Geuer, empresa cuja família que a dirige faz vitrais há mais de 160 anos.

Esses detalhes em outras cores devem ser feitos com tinta cerâmica, que se funde ao vidro após passar por um forno. “Vidro pintado pode desbotar com a ação do Sol ou do tempo”, alerta Emerson Assis, diretor e proprietário da D’Falco Vitrais, outra especialista brasileira no assunto, com sede em Itatiba (SP) com mais de 25 mil m².

E qual a procedência dessas chapas? Ambas as empresas utilizam tanto vidros nacionais como importados. Porém, a proporção das peças estrangeiras é maior. “Trabalhamos com vidros de diferentes cores e texturas. O que predomina é o importado devido à variedade de tonalidades”, explica Assis, da D’Falco.

Como é feito?
Confira o passo a passo para a produção de um vitral, segundo a Ton Geuer:

1. Projeto: para a elaboração do projeto, são necessárias as medidas do vão onde ele será fixado. Se esse espaço já tiver caixilho (leia mais sobre eles na sequência), o produto é adaptado às suas dimensões. Caso contrário, o caixilho e o vitral são elaborados em conjunto;
2. Formas: preferências em estilos e cores são solicitadas após as medidas. Se o cliente estiver em dúvida, pode consultar um portfólio com várias opções. Em cada projeto, é realizada uma pesquisa para levantar dados como: cores predominantes no local, peças de decoração no ambiente e em qual posição nasce o Sol em relação ao edifício (para assim saber a quantidade de luz incidente);
3. Fabricação: a montagem do vitral segue a seguinte ordem:
• é feita uma reprodução no tamanho original (chamada cartoon), já com as medidas exatas do local a ser instalado;
• baseado nessa reprodução, vem o corte dos moldes de papel (chablon);
• na sequência, finalmente o vidro é cortado, seguindo à risca os moldes;
• as peças, então, são colocadas manualmente nos perfis (baguetes) de chumbo e estanho, que dão flexibilidade e rigidez;
• por fim, é passada a massa para vedação e resistência do vitral.

 

catedral-brasilia-vitrais

 

Como é instalado?

Apesar de parecer óbvio, Emerson Assis, da D’Falco, reforça algo importante: “A instalação de vitrais deve ser executada por equipe especializada e com certificação, utilizando os devidos equipamentos de segurança”. Ou seja: a tarefa precisa da mesma atenção e qualificação que qualquer outra envolvendo vidro.
O produto pode ser aplicado sobre diversos materiais, conforme indica a Ton Geuer. Em todas as situações, é necessária a existência de uma espécie de “apoio”,um rebaixamento no perfil, com no mínimo 6 mm de profundidade, onde o vitral será encaixado.

• Madeira: as peças são fixadas nos próprios baguetes de madeira;
• PVC ou alumínio: devem ser usadas borrachas e baguetes apropriadas para cada tipo de estrutura, normalmente sob pressão;
• Ferro: na maioria dos casos, são usados silicone e massa de vidro. No entanto, alguns necessitam de baguetes também feitas de ferro;
• Estrutura em concreto: fixação com silicone ou massa de calafetar.

Portas e janelas que já possuem vão envidraçado podem receber vitrais, respeitando-se o rebaixamento no perfil citado anteriormente e a forma de fixação. Para vãos maiores, recomenda-se dividir o espaço em peças de aproximadamente 60 x 60 cm (dependendo sempre do formato e do desenho escolhidos).

vitral

 

Como é o mercado?

“Muitas pessoas associam o vitral somente a igrejas, mas o mercado residencial é consideravelmente positivo também”, revela Sunniva Simmelink, da Ton Geuer. Janelas, portas de mobiliários, divisórias, claraboias: a integração do produto no dia a dia de uma casa, por exemplo, pode ser feita de várias maneiras. “É um mercado com demanda constante, seja por estruturas novas ou restauração de antigas.”

Emerson Assis, da D’Falco, analisa por outro viés: “A situação é a mesma de todo o setor vidreiro. Sofremos com a escassez de recursos e alto valor da matéria-prima”. Segundo ele, a necessidade de ter um alto capital de giro para arcar com custos de estoque, estrutura e mão de obra, em uma economia difícil como a brasileira, é um verdadeiro desafio.

Por isso mesmo, conhecer as possibilidades dos vitrais ajudará a disseminar seu uso para além de seu significado religioso.

 

História multicolorida
O professor universitário e mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP), Ed Marcos Sarro, compartilhou com O Vidroplano um texto acadêmico de sua autoria sobre a trajetória dos vitrais ao longo dos tempos. Reproduzimos abaixo trechos do trabalho para explicar essa história milenar.

 

Origens
O vitral parece ter surgido no Oriente Médio (onde começa a produção de vidro propriamente dita), por volta dos séculos 6 e 8 d.C. Presente nas mesquitas e nas residências de nobres muçulmanos, a técnica teria sido provavelmente trazida para o Ocidente após as Cruzadas. Nos primeiros anos na Europa, os vitrais eram apenas uma composição de vidros coloridos nas janelas das igrejas, sendo que as primeiras pinturas com representação de figuras são encontradas a partir do século 11.

 

Símbolo da Idade Média
O vitral não era uma atividade-fim, mas marginal, como consequência da evolução arquitetônica na construção das catedrais. É creditada a Suger (1081-1151), abade da Catedral de Saint Denis, na França, sua introdução na arquitetura gótica. O vitral passaria a ter um impacto profundo sobre o imaginário e sobre a qualidade da devoção do homem medieval quando se torna decorado e passa a fazer parte dos recursos visuais e da iluminação do espaço sagrado.

 

Mudanças
O Renascimento, nos séculos 14 a 16, passa a dar menor ênfase ao papel do divino na arte, apesar de ainda reservar grande espaço às temáticas religiosas. O movimento também lançará as sementes da Reforma Protestante de Martinho Lutero, em 1517. Lutero não tinha grandes restrições para com a arte religiosa que se praticava em seu tempo. No entanto, alguns de seus seguidores enxergaram na arte no espaço de culto um problema por conta da proibição bíblica de cultuar imagens. Os episódios de iconoclastia, as guerras de religião que se seguiram e a própria passagem do tempo acabaram por eliminar parte da produção existente e danificar o pouco que restou.

 

Na modernidade
No final do século 19, o movimento Art Nouveau foi responsável pela difusão do vitral na arquitetura não religiosa. Surgido com diferentes nomes e em vários lugares da Europa, esteve em voga de 1890 a meados de 1920. Essa escola se propunha a utilizar materiais como o ferro, o aço, o vidro e o concreto armado como matéria-prima da chamada “arte industrial”, precursora do design. Especificamente na arquitetura, a Art Nouveau vai resgatar a tradição do vitral decorado e o inserir em espaços como teatros, cafés, estações de trem e metrô, mercados, edifícios comerciais e até em residências.

 

Este texto foi originalmente publicado na edição 565 (janeiro de 2020) da revista O Vidroplano. Leia a versão digital da revista.

 

 



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