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Como aumentar o uso de insulados no Brasil?

01/06/2021 - 11h56

Na edição 2021 do Panorama Abravidro (cujos dados você encontra clicando aqui ou aqui), os insulados, também conhecidos como vidros duplos, ficaram na lanterna entre os vidros processados mais utilizados no ano passado no País: representam apenas 0,5% de todo o material consumido por aqui, uma queda de mais de 20% em relação aos números de 2019. Essa é uma informação surpreendente, pois o produto oferece enorme desempenho no conforto térmico – o que ajuda, inclusive, na economia de energia elétrica e no resultado acústico. O que explica a solução ter qualidade, mas ser pouco utilizada?

Para tentar decifrar esse enigma, O Vidroplano consultou usinas, processadoras e engenheiros. Nossas fontes ajudam a esclarecer os motivos da pouca procura por insulados pelo setor da construção civil e apontam formas de levar informação sobre eles ao público consumidor. Esta reportagem é a primeira parte de um especial a respeito dos insulados – em junho, voltaremos ao tema abordando as questões técnicas da especificação, os cuidados no manuseio e instalação e os itens e maquinários usados na fabricação do material.

 

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Para todas as temperaturas
Formados por duas peças de vidro separadas por uma câmara interna com ar ou gás, os insulados têm uma importante função termoacústica. Na Europa, são usados há décadas, principalmente para o isolamento térmico dos edifícios e casas. Talvez por isso, criou-se no Brasil o mito de que seriam indicados apenas para locais com temperaturas baixas. “Percebo que o produto é mais comentado e lembrado na Região Sul do País, mais fria, do que no restante”, comenta o engenheiro Fernando Westphal, consultor técnico da Abividro e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

 

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Porém, essa ideia não poderia ser mais errada. “O insulado também atua diminuindo o ganho de calor para dentro da edificação, especialmente em cidades em que a temperatura do ar exterior é frequentemente mais alta, como Rio de Janeiro, Salvador e Manaus”, explica o professor da UFSC. “Além disso, o material resulta em menor temperatura superficial interna do envidraçamento, o que diminui a sensação de desconforto próximo ao vidro, mesmo quando há incidência do Sol direta sobre a esquadria.”

Dependendo da região e das condições climáticas ali encontradas, o insulado pode garantir benefícios em escalas diferentes. “Sua principal característica é o controle de temperatura. Portanto, se em uma determinada localidade o objetivo é impedir a entrada de calor, ele poderá contribuir mais com a parcela de condução térmica quando comparado com um laminado, por exemplo”, analisa o engenheiro Crescêncio Petrucci, sócio-fundador da Crescêncio Consultoria. “Em uma região mais fria, o objetivo pode ser o de reter o calor no interior da edificação e, com isso, economizar energia elétrica para o aquecimento do ambiente.” Ao se utilizar um vidro de controle solar em uma unidade insulada, os benefícios são ainda maiores. “Essa condição se dá pelo fato de o revestimento de proteção solar trabalhar conjuntamente com a câmara de ar”, afirma Luiz Barbosa, gerente técnico de Vendas da Vivix.

Marcelo Martins, diretor-comercial da GlassecViracon, indica que, em termos gerais, o insulado pode diminuir de 20% a 30% a entrada de calor, sendo que a troca térmica entre ambientes é reduzida de 55% a 70%. “O mundo todo, inclusive países tropicais, tem o insulado como principal produto para revestimento em fachadas”, revela.

Motivos para o pouco uso
Voltamos para a questão que abre o texto: o que explica a solução ter qualidade, mas ser pouco utilizada? É preciso enxergar a questão sob vários aspectos. Luiz Barbosa, da Vivix, aponta aqueles mais fáceis de serem identificados:

– O custo do insulado é maior. Isso se explica pelo fato de se utilizar mais matérias-primas de valor agregado em todo seu sistema – perfis, dissecantes e silicones de vedação e estrutural;

– As esquadrias necessárias para recebê-los devem ser mais robustas, portanto mais caras que as utilizadas com vidros monolíticos ou laminados;

– A composição do insulado quando aplicado em fachadas a partir do 1º pavimento (e abaixo de 1,10 m em relação ao piso) deve conter laminados ou aramados, tanto na face externa como na interna. Isso pode fazer a especificação levar ainda mais vidro.

 

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É possível aliar transparência a um desempenho térmico compatível com a necessidade dos usuários de um edifício. Na foto, o prédio 80 Once, em Bogotá, na Colômbia, com vidros processados pela GlassecViracon

 

Então, a questão se limita ao preço? Longe disso. O funcionamento do mercado imobiliário também influencia, como esclarece Petrucci. “A maior parte dos lançamentos e das obras em construção é residencial. Nesses casos, geralmente há janelas e portas recuadas e sombreadas em largos terraços, feitas de laminados ou monolíticos e com persianas. Com isso, desempenhos térmicos acima da média não seriam necessários”, afirma. “A outra parcela dos projetos, bem menor que a primeira, é de edifícios comerciais, corporativos e alguns residenciais com fachada-cortina. Eles têm grandes áreas envidraçadas e potencial para a aplicação de vidro de controle solar insulado.”

 

Edifício Aqwa Corporate, no Rio de  Janeiro: insulados  aplicados nesse prédio comercial  foram beneficiados  pelo Grupo Galtier e  fornecidos pela AGC

Edifício Aqwa Corporate, no Rio de Janeiro: insulados aplicados nesse prédio comercial foram beneficiados pelo Grupo Galtier e fornecidos pela AGC

 

Mas por que o potencial não vira realidade? Segundo Petrucci, os interesses dos empreendedores entram em conflito com um investimento desse porte:

– Se o imóvel é destinado à venda e o custo dos equipamentos de ar-condicionado for do comprador do imóvel, é provável que não se escolha um vidro muito eficiente, como é o caso do insulado, já que isso traria benefício apenas para o comprador, que economizaria na aquisição do ar-condicionado;

– No entanto, em um imóvel preparado para locação ou construído para uso corporativo, o investimento em materiais com melhor desempenho pode ser justificado.

 

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A cultura do uso de laminados como sinônimo de controle solar e acústico também está na base da “rejeição” ao insulado. “Esse costume é tão forte que até projetos de arquitetos internacionais especificados com insulados, na tropicalização, acabam sendo revisados e adaptados para o laminado”, aponta Renato Santana, coordenador de qualidade da GlassecViracon. Para Betânia Danelon, gerente-comercial da Guardian para o segmento de Arquitetura para a América do Sul, isso se liga a um aspecto mais científico. “Entendemos que a baixa procura pelo produto ocorre devido aos poucos estudos de eficiência energética para edificações residenciais.” A partir disso tudo, podemos avistar possíveis soluções para o impasse.

Como reverter a situação
“Temos de apresentar mais estudos ao consumidor final”, sugere Fernando Westphal. “E, quando se fala em consumidor final, isso inclui arquitetos, designers e fabricantes de esquadrias.” Para o professor, como o custo pode ser um impeditivo considerável, é importante mostrar com números a viabilidade desse investimento a longo prazo, calculando a economia de energia com climatização com o passar dos anos, e sempre levantar os benefícios já citados, como conforto térmico e acústico.

O uso de ferramentas de simulação computacional, com o objetivo de obter os ganhos reais de cada aplicação, poderá ajudar o investidor a tomar uma decisão a favor dos insulados. Betânia Danelon acredita que a revisão em curso da NBR 15575 — Desempenho de Edificações Habitacionais deve aumentar a procura por simulações energéticas. “É necessário um reforço da comunicação sobre a importância dos estudos de desempenho das edificações e suas envoltórias. Todo empreendimento — comercial ou residencial — deveria passar por esse tipo de análise para garantir que o vidro irá atender as expectativas.”

Como aponta Jonas Sales, coordenador de Engenharia de Aplicação da Cebrace, difundir o conhecimento técnico sobre o produto pode ser feito em diversas frentes, no caso das usinas:

– Palestras;

– Presença de equipe técnica especializada por todo o Brasil;

– Apoio a cursos para profissionais do segmento da construção e de arquitetura;

– Apoio a ações de educação do mercado encabeçadas por associações do segmento, como a Abravidro e suas afiliadas regionais.

“É uma jornada de descobrimento do vidro como solução. Isso acontece a longo prazo e exige constância e frequência. Estamos sempre focados nesse trabalho ‘de formiguinha’ junto a pontos de venda e ao cliente final”, explica Sales. Ana De Lion, gerente de Desenvolvimento de Mercado da AGC, concorda: “A educação técnica e informação às universidades, consultores e até processadores vidreiros pode ser parte de uma ação colaborativa para disseminar o entendimento acerca da solução e seus benefícios. Em paralelo, as construtoras poderiam iniciar um movimento baseado em legislações que orientem usos corretos para bons desempenhos das edificações”.

Um elemento que pode funcionar como chamariz de vendas para produtos com maior valor agregado é a etiqueta de conforto térmico para esquadrias, presente na Parte 4 da NBR 10821 — Esquadrias para edificações. Sua aplicação é de caráter facultativo aos fabricantes de esquadrias, mas, mesmo assim, desempenha a importante função de classificar o nível de desempenho térmico desses itens. São avaliados o conjunto como um todo, incluindo tipo de vidro, perfil e percentual de área envidraçada da esquadria. Por isso mesmo, como a metodologia de avaliação é feita com base no conforto, os insulados se destacam, elevando o nível de classificação em qualquer clima brasileiro.

Quem sabe, ao se seguir alguns desses passos, a utilização do material possa dar um salto em um futuro próximo. Não se esqueça: em junho, leia a sequência desta reportagem aqui em O Vidroplano.

 

Pelo mundo
A situação do mercado de insulados no Brasil pode ser comparada à encontrada nos países vizinhos? “O uso do produto na América do Sul está crescendo consideravelmente, mas ainda representa uma baixa porcentagem em geral”, analisa Sebastian Iachini, agente de Vendas e de Suporte Técnico da Fenzi South America. “Por aqui, as duas nações com maior consumo de insulado por habitante são Argentina e Chile, embora seus números não possam ser comparados com o resto do mundo.” Outros países da região, como Uruguai, Paraguai, Bolívia e Peru, também passaram a se interessar por essa aplicação recentemente.

Segundo Iachini, houve um aumento de cerca de dez vezes no uso de insulados em todo o planeta nos últimos 15 anos. “Levando em consideração o crescimento que está ocorrendo e os volumes que existem na América Latina, podemos dizer que há grandes oportunidades.” O jeito é aguardar para saber se o Brasil seguirá essa tendência global.

Este texto foi originalmente publicado na edição 581 (maio de 2021) da revista O Vidroplano. Leia a versão digital da revista.




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