Vidroplano
Vidroplano

Covid-19 traz consequências para o setor vidreiro no mundo

23/04/2020 - 09h57

A pandemia do novo coronavírus transformou o mundo em poucos meses: mais de 1,5 milhão de infectados, quase cem mil mortes, países inteiros em quarentena, economias paradas. Era questão de tempo até o mercado vidreiro, no Brasil e no planeta todo, ser atingido. Com o objetivo de analisar o atual momento — e tentar prever cenários para o futuro — O Vidroplano conversou com analistas de nosso segmento, entidades internacionais e especialistas em construção civil e indústria.

O que será do vidro?
Em épocas conturbadas, nada melhor do que falar com aquele que é considerado o “guru do vidro”. O consultor Bernard Savaëte, da BJS Différences, é um dos maiores estudiosos do mercado global do material – suas apresentações no fórum Glass Performance Days (GPD) sempre reúnem os mais apurados dados sobre a cadeia mundial. Por isso, fizemos a pergunta que não quer calar: quais serão as consequências da pandemia?

“Acredito que a crise vai acelerar a transformação da indústria de float”, diz Savaëte. “E não creio em rápida recuperação. Uma recessão mundial este ano é algo quase certo, o que só aumentará a distância entre países ricos e pobres. A perda de renda por parte de várias pessoas influenciará os modelos de negócios. O desemprego também vai crescer drasticamente. E isso precisa alertar nosso setor. Empresas que trabalham mal entrarão em colapso.”

Pelo mundo, segundo Savaëte, várias usinas estão com a produção em pausa – sem alimentar o forno com as matérias-primas para produzir o vidro ou, então, fabricando normalmente, mas quebrando tudo no fim para repetir o ciclo e deixar o equipamento funcionando (afinal, não pode ser desligado). O consultor cita que, inclusive, uma fábrica israelense já encerrou suas atividades e saiu do mercado.

“A pandemia causará uma revolução na questão de trabalhar em casa”, alerta, lembrando ainda que ocorrerão mudanças estruturais na sociedade: “As diversas fraquezas que nossos sistemas possuem estão expostas, o que vai gerar modificações especialmente na realocação de recursos para algumas atividades, como a área da saúde”.

construção

 

A construção brasileira parou?
É hora também de analisar segmentos que usam nosso material, como a construção civil. Segundo levantamento da Prospecta Obras, consultoria que mapeia e acompanha projetos em todo o território nacional, o Brasil tinha pouco mais de 700 mil construções (em andamento e prestes a serem iniciadas) no dia 30 de março. A empresa estima ter mapeado pelo menos 89% das obras existentes.

Em relação à paralisação, dados (também de 30 de março) mostram a atual situação do País:

Obras de residência unifamiliar (casas de 50 a 600 m², de todos os padrões): 68% estão em andamento. A explicação para o baixo índice de paralisação é a possibilidade de trabalhar com equipes pequenas;

Obras de residência multifamiliar (prédios residenciais e comerciais): nos prédios de até mil m², apenas 3% continuam. Em prédios maiores, quase nenhuma atividade foi registrada;

Obras industriais: 98% estão paradas;

Obras de infraestrutura (rodovias, estradas etc.): as únicas que seguem são as relacionadas a hospitais (que representam 7% desse tipo);

Obras comerciais: são classificadas com as residências unifamiliares e encontram-se paralisadas em sua maioria.

“O que vai movimentar muito o setor, neste momento, são as obras residenciais unifamiliares, ambientes em que é possível trabalhar com poucas pessoas”, analisa Wanderson Leite, fundador da Prospecta. “Temos visto que as empresas estão remodelando sua forma de trabalhar. Muitas estão buscando fazer entregas, criando sites às pressas e atendendo pelo WhatsApp.” Segundo Leite, é importante que os comerciantes entendam que as obras não pararam totalmente e que existe uma fatia de consumidores que demandam materiais. “Quando o isolamento terminar, ainda há a expectativa de que menos pessoas estejam circulando nas ruas, por precaução. Por isso, as empresas devem se planejar para um fluxo de vendas e atendimento cada vez mais virtuais.” Boas dicas para serem seguidas também pela cadeia vidreira.

fabrica

 

Setor automotivo em queda
No começo de abril, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) divulgou os resultados dessa indústria relativos ao mês de março. Na primeira quinzena, as vendas de automóveis estavam em alta: crescimento de 9% no acumulado do ano em relação a 2019. Porém, nas últimas duas semanas, já com diversos Estados sob quarentena, ocorreu queda de 90% nas atividades do segmento, fechando março em baixa de 8% no acumulado do ano. Vale citar que várias montadoras, como Honda, Fiat Chrysler, GM, Toyota e BMW, já estavam em férias coletivas nesse período.

“O momento é de priorizar a saúde da população, e todas as nossas associadas estão dando sua contribuição no combate ao coronavírus, seja reparando respiradores, produzindo e doando máscaras, ou mesmo cedendo suas frotas para as mais diversas finalidades”, relata Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea. “Mas também é hora de conscientização em todas as esferas do governo, bancos e sociedade para criar mecanismos que permitam à cadeia automotiva atravessar esse período de retração com a preservação das empresas e dos empregos.”

carros

 

Como o mundo encara
A situação em diferentes cantos do planeta é semelhante: há a dúvida se indústria e construção civil devem parar totalmente, o que resultaria em danos nas economias, ou se o trabalho segue, inevitavelmente aumentando o número de pessoas contaminadas, o que prolongará a crise ainda mais.

A China, epicentro da pandemia, já está voltando a operar quase normalmente: segundo a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, 89% das construções consideradas importantes para o governo foram retomadas – o dado não leva em conta a província de Hubei, local em que a doença começou a se espalhar pelo país. Na primeira semana de fevereiro, apenas 2,3% dessas obras estavam em andamento.

Na Europa, países muito afetados tentam achar a solução ideal. A Espanha retomou parte da construção e comércio. Na França, a presidência chegou a um acordo com grupos de empregadores da construção: as atividades continuarão para grandes consequências aos negócios do setor – foram garantidas também formas de proteção aos trabalhadores.

No Reino Unido, a tendência é em prol da paralisação. Alguns projetos de grande porte foram cancelados por lá, incluindo os feitos por órgãos governamentais. A iniciativa privada também tomou posições: a Taylor Wimpey, uma das maiores construtoras do país, resolveu fechar todos seus canteiros de obras.

fabrica-capa

 

A situação americana
Nos Estados Unidos, país com mais casos de Covid-19 no mundo, algumas regiões estão parando tudo. O governador de Nova York, Andrew Cuomo, decretou a paralisação da maioria das obras no Estado. Isso só ocorreu após pressão de trabalhadores e legisladores: uma quarentena imposta anteriormente tinha incluído o segmento como essencial, fazendo-o seguir operando normalmente. Para se ter ideia do tamanho dessas medidas: somente na cidade de Nova York, cerca de 25 milhões de m² de escritórios e 5 mil apartamentos, em várias fases de acabamento, não poderão ser concluídos neste momento.

Ao mesmo tempo, para a Associated General Contractors of America (entidade que reúne engenheiros) e a North America’s Building Trades Unions (sindicato de construtoras), manter ao menos parte das operações é fundamental. Juntas, as duas associações divulgaram uma declaração afirmando que “oficiais do governo em todas as esferas deveriam tratar a indústria da construção e o trabalho que desempenha como vital e essencial”.

Como pôde ser visto, são muitas questões complexas para serem resolvidas ao mesmo tempo. No meio disso tudo, fica a torcida para que vidas possam ser salvas.

 

“Cenário atual é nebuloso, assim como a médio prazo”
A Glass for Europe, associação europeia de fabricantes de float, é uma das principais autoridades sobre nosso setor nesse continente. O Vidroplano entrevistou Bertrand Cazes, secretário-geral da entidade, para entender o que se passa por lá.

Qual a situação atual da indústria de float na Europa?
Está sendo impactada pelas diferentes medidas colocadas em prática. O mais urgente para a indústria foi e segue sendo garantir que equipamentos de proteção estejam disponíveis e que o distanciamento social seja respeitado nas fábricas. Todos os atores da cadeia estão cooperando com as autoridades nacionais.

Quais as consequências da pandemia já percebidas nos negócios?
Muitas processadoras, sejam voltadas para o setor automotivo ou para a construção, fecharam, já que a atividade caiu a níveis sem precedentes. O que preocupa os fabricantes de float é manter os fornos aquecidos para garantir a segurança e preservar os equipamentos industriais. E, com essa redução, o desemprego temporário se espalhou.

Como nosso setor pode ser afetado a longo prazo?
Com todas as montadoras de carros paradas no momento e a queda observada na demanda por vidro para a construção por toda a Europa, o cenário atual é nebuloso, assim como a médio prazo. É possível imaginar que as fábricas de automóveis serão capazes de recomeçar a produção tão logo essa crise acabe. No entanto, levará diversos dias ou até semanas antes de as empresas vidreiras voltarem à produção normal de vidro – sem mencionar que a demanda por carros pode ser atingida seriamente pela crise econômica que provavelmente vai ocorrer.

Em relação à construção civil, nós estimamos que, sem um suporte proporcional das autoridades nacionais, processadores e vidraceiros de pequeno e médio porte terão sérias dificuldades para sobreviver durante o período de confinamento. Isso impediria uma recuperação rápida do setor como um todo. E com uma crise econômica na sequência, a demanda por nosso material deve diminuir potencialmente.

Teremos mudanças significativas em nosso mercado após a pandemia?
Sem medidas robustas para salvar os milhões de pequenas e médias empresas vidreiras, a pandemia tem o potencial de devastar a cadeia por alguns anos. As coisas estão mudando rapidamente. Devemos garantir a sobrevivência de nosso mercado e até repensá-lo para nos prepararmos para o futuro.

É possível projetar como será uma possível recuperação?
A crise ainda não terminou em muitos países, enquanto em outros está somente começando. O que vai acontecer, mundialmente falando, é impossível de se enxergar neste estágio. Com certeza, para uma rápida recuperação, uma injeção massiva de liquidez na economia será necessária. A Glass for Europe chamou atenção de autoridades públicas europeias para perceberem a escala dos impactos no mercado de float e para desenvolverem medidas de proteção à indústria local e de manutenção da cadeia.

Este texto foi originalmente publicado na edição 568 (abril de 2020) da revista O Vidroplano. Leia a versão digital da revista.



Newsletter

Cadastre-se aqui para receber nossas newsletters