Vidroplano
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Entenda a importância da reciclagem de vidro

24/02/2023 - 17h41

O vidro como o conhecemos está inserido na história da humanidade desde longa data: sua possível origem (uma mera fogueira na areia da praia) estaria muito mais relacionada ao acaso do que a uma invenção. Porém, diferentemente dos tempos simples nos quais viveram nossos antepassados, o mundo contemporâneo tem pela frente grandes batalhas a serem vencidas – o aquecimento global talvez sendo a mais importante delas. Embora isso seja uma responsabilidade de todos, nossa cadeia deve ter protagonismo nesse processo. Não por acaso, o papel do vidro e do setor vidreiro na busca pela sustentabilidade foi tema especial das edições de agosto e setembro de 2022 aqui em O Vidroplano. O tema também foi destaque na programação do Simpovidro, que contou com palestra sobre o ESG, com o objetivo de desmitificar o assunto e aproximar a cadeia de processamento dessas discussões.

Para seguir no assunto, este mês apresentamos a importância do descarte correto do vidro e explicamos como a reciclagem se tornou atividade essencial para o nosso segmento – do início do processo, na fabricação do float, passando pelo papel das processadoras, até chegar ao que o Brasil faz em relação a esse promissor mercado.

Visão do todo
O vidro é um dos materiais produzidos pela humanidade com maior potencial para reciclagem. Sendo composto essencialmente por elementos da natureza, trata-se de um item com margem para ser reaproveitado sem gerar perdas. Dado o volume de material produzido ano após ano, também é alto o número de resíduos gerado por toda a cadeia. Nesse sentido, o trabalho das processadoras surge como destaque, já que serão as responsáveis por fazer com que o vidro passe por diversas transformações até se tornar temperado, laminado, insulado etc, o que resulta em sobras de vidro que podem ser enviadas para reciclagem.

“A cada 1 kg de vidro reciclado, pode ser produzido 1 kg de vidro novo, o que gera a redução de emissões de CO2, de extração de matéria-prima virgem e também economia de energia”, afirma Juliana Schunck, diretora-geral da Massfix. Usinas utilizam cacos para a fabricação de vidro float e parte das embalagens de vidro produzidas no Brasil advém de processos recicláveis – mesmo assim, segundo avalia Juliana, o sistema precisa seguir em evolução se quisermos garantir às próximas gerações um futuro verdadeiramente limpo e verde. “As questões de sustentabilidade são uma necessidade, e cuidar para que nossos resíduos sejam reaproveitados é essencial para o futuro do planeta”, destaca. “Acredito que cada vez mais as exigências ambientais estarão presentes nos negócios e que não haverá futuro sem o total reaproveitamento dos resíduos”. A cada 6 t de vidro reciclado, estima-se que se deixa de emitir, em média, 1 t de CO2.

Foto: MoiraM/stock.adobe.com

Foto: MoiraM/stock.adobe.com

 

Como é a reciclagem?
O passo a passo no desenvolvimento das ações tende a variar conforme cada processadora. Porém, de modo geral, os procedimentos ocorrem da seguinte forma:

  • As empresas que fazem a reciclagem recebem e/ou fazem a coleta do vidro — este precisa estar devidamente acondicionado;
  • Faz-se a triagem do material (manual ou mecanicamente);
  • Identificam-se o tipo e a cor do vidro a ser reciclado;
  • São retirados os contaminantes (qualquer material que não seja o vidro propriamente dito);
  • Inicia-se o processo de trituração e peneiramento;
  • Classifica-se o material;
  • O vidro volta ao ciclo da economia.

Mercado nacional
Quando bem executado, o trabalho tende a gerar excelentes frutos não só na esfera sustentável, mas também no campo financeiro. Porém, para que todo o processo flua conforme previsto, é preciso haver um sistema de coleta organizado, conscientização e políticas de incentivo, como já ocorre nos países desenvolvidos.

No Brasil, existem políticas em prol do fomento à logística reversa, o que inclui a reciclagem do vidro, como o decreto para recriação do programa Pró-catador, revogação do Recicla+ (Lei 14.260/21), que autoriza a constituição de fundos de investimentos destinados a projetos de reciclagem, e o Decreto nº 11.043/2022, que estabelece diretrizes e metas para o setor num intervalo de vinte anos. Porém, tais medidas são tidas como insuficientes por aqueles que atuam no segmento, uma vez que a carga de impostos sobre o setor segue elevada.

Apesar de as perspectivas a longo prazo caminharem rumo a um mercado cada vez mais maduro, na visão de Silvério Silva, gestor da FS Saldanha Reciclagem, a falta de incentivos do governo tende a seguir como principal empecilho. “Infelizmente, o governo brasileiro não trabalha para estimular, pois, enquanto a roda da economia precisa girar, ele [o governo] parece que atua para atrapalhar”, comenta. “Entendo que são vários os fatores que precisam ser resolvidos até se criar uma estabilidade econômica para atrair investimentos.”

Já de acordo com Michel Jeber, sócio e diretor-administrativo da 5RS Reciclagem, para que se possam atingir níveis maiores de reciclagem do vidro, além de campanhas frequentes de conscientização, visando ao engajamento da população, outros fomentos precisam estar atrelados. “Creio que estímulos aos consórcios de municípios e aparelhamento das prefeituras, com remuneração por volume reciclado, poderiam trazer ganhos reais aos municípios e incentivar a coleta de destinação correta dos resíduos”, afirma. “Não menos importante, reduzir a carga de impostos para o setor estimularia mais empresas e cooperativas a se dedicar a esse trabalho tão importante e necessário.”

Comparação com o mundo
Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), até junho de 2022, apenas 4% dos materiais sólidos que poderiam ser reciclados no País são submetidos a esse processo – índice muito abaixo do de países de mesma faixa de renda e grau de desenvolvimento econômico, como Chile, Argentina, África do Sul e Turquia, que apresentam média de 16% de reciclagem, conforme dados da International Solid Waste Association (ISWA).

Ainda de acordo com o levantamento da entidade, nos anos de 2021 e 2022, período da pandemia, os materiais recicláveis secos representaram 33,6% do total de 82,5 milhões de t anuais de resíduos sólidos urbanos (RSU) produzidos. Desse volume, o vidro era somente 2,7% — número bastante baixo para o nosso país. Para se ter uma ideia, na Alemanha, por exemplo, o índice de reciclagem atinge a marca de 67%, o que no comparativo em tempo representa um atraso de 20 anos do Brasil frente aos países desenvolvidos.

Como a reciclagem é feita nas usinas?
Segundo a Abividro, o índice nacional de reciclagem do vidro no ano de 2018 foi de 25,8%. A boa notícia é que tanto no Brasil como no exterior, as usinas de float e oco já incorporaram a prática da reciclagem aos seus processos. Diferentemente das matérias-primas puras, os “cacos” quando derretidos nos fornos não geram CO2.

Um exemplo internacional de experiência bem-sucedida com uso dos cacos é o da Saint-Gobain. Em julho, a empresa anunciou uma inovação técnica para a sua produção, cuja combinação entre alto teor de cacos (cerca de 70% da receita) e fornos alimentados com energias renováveis proporcionou a produção de um vidro com a menor pegada de carbono do mercado, o Oraé.

No Brasil, as empresas seguem na busca de tornar cada vez mais limpa nossa cadeia produtiva. Veja a seguir o que algumas das principais indústrias vidreiras estão fazendo em relação ao assunto.

Foto: sergofan2015/stock.adobe.com

Foto: sergofan2015/stock.adobe.com

 

AGC
“Na AGC, possuímos um sistema de gestão que trabalha para a otimização dos processos buscando a redução de resíduos. Aqueles que são gerados entram na meta de “Zero Aterro” e podem seguir dois caminhos: primeiro, buscamos soluções internas para o reaproveitamento; a segunda opção é encaminhá-los para parceiros ambientais que possuem tecnologia para reaproveitamento desses resíduos. Para os resíduos de vidro, a AGC recicla todo o material possível dentro de seu processo produtivo, o que contribui com a diminuição da energia consumida na produção. Quanto aos materiais considerados impuros para o reaproveitamento interno, nós os encaminhamos a um parceiro para fazer a segregação e utilização desse material.”
João Paulo Veiga, coordenador de SGI

Cebrace
“Na nossa empresa, a reciclagem de vidro está presente no reaproveitamento de cacos dentro do forno de fusão, sendo um dos materiais adicionados ao processo produtivo. Para ampliar o trabalho de reciclagem junto ao setor vidreiro, a Cebrace uniu-se à Massfix, empresa que atua na reciclagem de vidros planos, laminados e vidros de embalagens em todo o Brasil. Se, após a análise, for verificado que os cacos não podem ser reutilizados, eles são enviados para um fornecedor homologado para reprocessamento e utilização de outros mercados, otimizando o resultado e minimizando desperdícios ou descartes inadequados.”
Mônica Caparroz, gerente de Marketing

Guardian
“Na Guardian, reutilizamos as sobras geradas pelo nosso próprio processo produtivo, além de possuir uma rede de clientes que participa de forma contínua do nosso programa de logística reversa. Incentivamos o retorno dos cacos no mesmo caminhão que carrega o vidro em nossas unidades e, em situações específicas, estabelecemos uma rota de coleta de cacos em locais de concentração. Quando recebemos o material, é feita a revisão e avaliação para garantir que não existam contaminantes (sujeira, rebolos etc.) ou misturas entre cores de vidro. A partir daí, o material é utilizado em nossa linha de produção para a fabricação de chapas de vidros planos, as quais darão origem a espelhos e vidros de alto desempenho para a arquitetura comercial, residencial e de interiores.”
Viviane Sequetin, gerente de Marketing na América do Sul

OBS: nossa reportagem entrou em contato com a Vivix, porém a usina não conseguiu atender ao prazo para envio das respostas

Este texto foi originalmente publicado na edição 602 (fevereiro de 2023) da revista O Vidroplano. Leia a versão digital da revista.

Crédito da foto de abertura: aquatarkus/stock.adobe.com



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