Vidroplano
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Vidro pode contribuir para um planeta sustentável

23/08/2022 - 13h56

Ao longo de julho, em pleno inverno, o frio passou longe de São Paulo, cidade que encarou uma onda de calor fora de época, com quase 30 ºC em alguns dias. Na Europa, o verão maltrata a população: a Inglaterra alcançou a maior temperatura já medida de sua história no mês passado (40,2 ºC), enquanto Portugal chegou a inacreditáveis 47 ºC.

As mudanças climáticas são uma realidade no planeta: basta ver os noticiários mostrando incêndios incontroláveis, furacões cada vez mais destrutivos, secas de longa duração. Um clima de extremos ameaça a humanidade. Por isso, passou da hora de levarmos a questão a sério – e o setor vidreiro pode dar uma tremenda contribuição para isso.

Este mês e em setembro, O Vidroplano apresenta um especial sobre o tema, mostrando em detalhes o papel de nosso material na questão. A sustentabilidade não é apenas preocupação das empresas, mas uma demanda da sociedade. Por isso, é importante entender o que está acontecendo com o mundo.

Planeta em descompasso
Mudança climática não é algo novo: a Terra já passou por diversas alterações ao longo dos milênios. Só que isso ocorre naturalmente, por conta de forças diversas como erupções vulcânicas, impactos de meteoritos ou variações na órbita do planeta e na radiação solar, por exemplo. O que vivemos hoje é algo resultante das ações humanas – e, o pior, ocorre em uma velocidade nunca vista, maior do que a dos fenômenos naturais.

A culpa é nossa
Estudos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) mostram que, a partir da Revolução Industrial no século 18, a emissão de poluentes passou a deixar a temperatura média do planeta cada vez maior. Após a última era glacial (milênios atrás), a temperatura terrestre subiu 5 ºC ao longo de 10 mil anos; se o ritmo do atual aquecimento global continuar o mesmo, poderemos ver um aumento de quase 5 ºC – mas em apenas 200 anos.

Uma mudança desse porte em tão pouco tempo cobra seu preço: as décadas de 1990 e de 2000 foram as mais quentes do último milênio, fato causado principalmente pela queima de combustíveis fósseis e pela destruição da natureza.

As consequências
O aumento das temperaturas não mudará apenas o clima. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o aquecimento global causará impactos diversos, como:

  • Maior frequência de fenômenos meteorológicos extremos: vários eventos com potencial de perdas econômicas e humanas podem virar padrão, como ondas de calor ou de frio severas, fortes chuvas e inundações ou secas prolongadas;
  • Comprometimento da produção agrícola;
  • Extinção de espécies animais e vegetais;
  • Derretimento de geleiras: isso gera elevação do nível do mar. Até o fim deste século, de acordo com o IPCC, os oceanos podem aumentar até 59 cm, o que causará a inundação de cidades e regiões costeiras. Imagine praias inteiras deixando de existir? Áreas de metrópoles como Rio de Janeiro e Nova York ou países-ilhas submersos?

E no Brasil?
Relatórios do IPCC indicam que a temperatura média deverá aumentar no País todo, causando:

  • Redução de geadas no Sul, Sudeste e Centro-Oeste;
  • Maior frequência de chuvas intensas no Sul e Sudeste, aumentando a possibilidade de enchentes em áreas urbanas;
  • Diminuição das estações chuvosas e da intensidade das chuvas no Norte e Nordeste, causando maior evaporação das águas dos reservatórios, lagos e rios. Assim, os problemas locais relacionados à seca serão ainda mais graves;
  • O colapso de ecossistemas, inclusive o da Amazônia, reduzindo e modificando vegetações, por conta da diminuição das chuvas.

Como reverter a situação?
O atual aquecimento da Terra vai levar décadas ou séculos para ser minimamente “consertado”. Porém, ainda dá tempo de evitar os piores cenários das consequências citadas anteriormente: cientistas afirmam que a temperatura não pode aumentar mais que 1,5 °C até 2100. Para isso, dependemos da vontade de governos para colocar em prática ações que reduzam as emissões de gases poluentes em nível global.

Fábricas ao redor do mundo já se antecipam a esse assunto, definindo metas “verdes” para as próximas décadas. Uma coisa é certa: a sustentabilidade é um caminho sem volta na produção industrial – e nosso setor tem capacidade para ser líder no quesito.

Amigo da ecologia
Sustentabilidade faz parte da história do segmento vidreiro – a busca por soluções que entreguem maior eficiência na fabricação fez com que a atividade poluísse menos. Exemplo disso é que o aperfeiçoamento dos processos permitiu que a cadeia francesa como um todo diminuísse 69% de suas emissões de poluentes, ao longo dos últimos 50 anos, segundo o centro de pesquisa científica francês Institut du Verre.

Além disso, o vidro é um dos únicos materiais 100% recicláveis – e seu impacto é menor que o de outros materiais. Quem mostra isso é o Centro de Arquitetura Industrializada da universidade Royal Danish Academy, da Dinamarca. A instituição preparou uma tabela chamada Pirâmide dos Materiais de Construção: ela se assemelha a uma pirâmide alimentar, mas, ao invés de mostrar os grupos de alimentos e seus nutrientes, revela o impacto ambiental dos materiais. Quanto mais no topo, mais poluidor o produto é – e nos dois principais indicadores, o vidro se posiciona muito bem:

  • GWP (potencial de aquecimento global): mede a “pegada de carbono”, ou seja, a quantidade de dióxido de carbono (o CO2, um dos gases que mais contribuem para o aquecimento global) emitida durante a fabricação. A tabela coloca o vidro insulado, produto largamente usado na Europa, em posição intermediária, sendo muito menos poluidor que o alumínio, aço galvanizado e cerâmica, localizados no topo;
  • ODP (potencial de destruição da camada de ozônio): mede os danos que uma substância pode causar à camada de ozônio. Nesse quesito, o insulado está na base da pirâmide, como um dos menos agressivos ao planeta, ao contrário de madeira compensada, concreto e tintas em geral.

“O setor vidreiro tem uma real preocupação com o papel de nossa indústria no mundo. Essa posição é ambiental e também em relação à sociedade. É chavão falar isso, mas temos uma indústria com posição moderna”, explica o superintendente da Abividro, Lucien Belmonte. Segundo ele, é preciso olhar o processo como um todo para saber onde melhorar na questão de emissões: desde a retirada de matéria-prima ao transporte nos diversos elos da cadeia, e ainda durante o ciclo de vida do produto instalado.

Futuro de transparência
Uma reportagem publicada na renomada revista científica britânica Nature, no final do ano passado, analisa o papel da indústria vidreira para a “revolução verde” nos processos fabris. Do total de CO2 gerado durante a fabricação de vidro em todo o mundo, cerca de 80% vêm do uso de gás natural para fazer os fornos funcionarem. O número impressiona, mas pode ser diminuído por meio da reciclagem do produto como parte da fabricação.

A boa notícia é que as usinas de float e oco já incorporam a prática aos seus processos: elas usam restos do material, os chamados “cacos”, para compor a mistura de matérias-primas. Ao serem derretidos nos fornos, não há emissão de CO2, diferentemente das matérias-primas puras. Além disso, os cacos aumentam a produtividade dos fornos: 1 t deles gera 1 t de vidro, enquanto 1 t de matéria-prima gera pouco mais de 800 kg de vidro. De acordo com a European Container Glass Federation (Feve), associação europeia de fabricantes de frascos e recipientes, o uso de 10% de cacos em uma fornada de vidro faz diminuir em 5% a emissão de CO2. Outro dado a favor dos cacos vem da Guardian: por derreterem a uma temperatura muito mais baixa do que a areia, eles reduzem o consumo de energia. Segundo a usina, em média, para cada 10% de cacos usados, suas demandas energéticas são reduzidas em até 3%.

Existem, inclusive, experiências bem-sucedidas de produtos sendo fabricados com cada vez mais cacos. A Saint-Gobain Glass anunciou em julho uma inovação técnica para a produção de um vidro com a menor pegada de carbono do mercado: alto teor de cacos (cerca de 70% da receita) e fornos alimentados por energias renováveis. Esse processo de fabricação emitiu cerca de 40% a menos de CO2 na comparação com outros produtos da empresa e já tem um resultado concreto, a linha de controle solar Cool-lite Xtreme, que passa a fazer parte do portfólio da empresa.

Vale lembrar que o processo de reciclagem do vidro é complexo, graças a seu peso. A coleta e o armazenamento do plástico, por exemplo, envolvem menos trabalho e recursos. Isso explica o fato de boa parte do mundo (com exceção dos europeus) não tratar nosso material da forma devida: nos Estados Unidos, em 2018, quase 7 milhões de t de vidro foram despejadas em aterros. Por isso, ainda há um longo caminho a ser percorrido nesse sentido. A reportagem da Nature indica que somente vontade política, incluindo legislações específicas e alocação de recursos por parte do poder público, pode fazer a reciclagem de vidro virar uma prática rotineira.

Novos combustíveis
Outro campo que ajudará na redução das emissões é a busca por novas fontes de energia para substituir o gás natural. No final de 2021, uma fábrica inglesa da Pilkington, pertencente ao Grupo NSG, realizou o primeiro teste mundial de fabricação de vidros arquitetônicos com fornos ligados a hidrogênio. Em março deste ano, a mesma unidade da companhia se tornou a primeira planta de float do planeta a acionar um forno usando apenas biocombustível – desenvolvido a partir de resíduos orgânicos, ele emite cerca de 80% menos CO2 do que o gás natural. O experimento durou quatro dias, com os equipamentos em produção total, fabricando pouco mais de 15 mil m² de vidros.

No entanto, não existe solução mágica: a simples troca da fonte de energia não resolverá todos os problemas de emissão. A chama gerada pelo uso de hidrogênio não é controlável (em tamanho e temperatura) como a do gás natural, o que significa maior instabilidade na produção — e impactando a produtividade. A forma de se fabricar o hidrogênio a ser consumido também precisa ser levada em conta: de nada adianta ele ser menos poluente se sua produção for danosa ao meio ambiente. Em geral, o modo de produção de vidro é o mesmo há muito tempo – por isso, a necessidade de pesquisa e desenvolvimento de soluções para aperfeiçoá-lo segue como constante no setor.

A Europa está bastante avançada nesse quesito. Em 2019, por exemplo, a Comissão Europeia publicou o European Green Deal (Acordo Verde Europeu), documento com o objetivo de criar políticas em prol do meio ambiente, incluindo o segmento da construção. Outro projeto local, dessa vez focado no segmento vidreiro, é o LIFE Eco-HeatOx, criado para o desenvolvimento de tecnologias que ajudem no pré-aquecimento dos fornos usando oxigênio puro – isso aumenta a eficiência do derretimento das matérias-primas, consumindo menos energia para tal. Testes feitos numa fábrica na Bulgária revelam que a técnica diminui as emissões de CO2 em até 23% na comparação com outros métodos de combustão.

A Glass Aliance Europe (associação europeia de indústrias vidreiras) acredita que as inovações devam surgir nos mais diversos setores industriais, com soluções para outros mercados podendo ser adaptadas às realidades de nossa cadeia. A entidade afirma ainda que as empresas poderão utilizar formas de compensação para eliminar as emissões, incluindo:

  • Captura e armazenamento de carbono (CCS)
    Consiste em separar o CO2 produzido para convertê-lo em líquido. Na sequência, ele será transportado por tubulações e armazenado nos chamados “reservatórios geológicos”, nos quais não poluirá o ambiente.
  • Captura e utilização de carbono (CCU)
    Processo de captura do CO2 para reciclagem e uso posterior. Ele pode ser transformado, por exemplo, em etanol.

A movimentação das usinas
No Brasil e no mundo, fabricantes de vidro se adequam a um futuro sustentável. A AGC anunciou este ano um compromisso de reduzir em 30% as emissões diretas e indiretas até 2030. O próximo passo dessa meta é atingir a neutralidade de carbono até 2050 – quando uma empresa não adiciona CO2 à atmosfera, seja eliminando suas emissões ou as compensando com técnicas de CCS ou CCU.

Para alcançar os objetivos, um conjunto de ações está sendo implementado, do setor de pesquisa e desenvolvimento à cadeia de suprimentos e transporte, passando pelo abastecimento e produção. O próximo passo é o lançamento de uma nova linha de vidros com pegada de carbono significativamente reduzida – esses produtos serão mostrados em primeira mão pela AGC Europa durante a feira Glasstec, em setembro, na Alemanha. Após testes bem-sucedidos, a expectativa da empresa é entregar os primeiros pedidos desses itens até o final de 2022. “Alcançar a neutralidade requer uma transformação holística de nossa produção, que vai do fornecimento e uso de matérias-primas sustentáveis, até a forma como o vidro é derretido, sem negligenciar o design e o uso de nossos produtos para otimizar os benefícios climáticos”, explica Davide Cappellino, presidente da divisão de Vidros Arquitetônicos da AGC Europa e Américas.

Em maio, foi a vez de o Grupo NSG revelar suas metas de redução: 30% nas emissões diretas/indiretas, incluindo a cadeia de suprimentos, e neutralidade até 2050. Um dos trabalhos a serem realizados será a introdução de fornos elétricos para o derretimento das matérias-primas, em conjunto com a aposta no uso de 100% de energias renováveis.

Aqui no Brasil, a Cebrace (joint-venture do Grupo NSG com a Saint-Gobain) começou a renovação gradual de sua frota de caminhões: a partir de agora, serão utilizados veículos in loader a gás. A princípio, a iniciativa terá dez carretas fazendo rotas de entrega no Estado de São Paulo. Os veículos conseguem rodar cerca de 500 km ao serem abastecidos com o volume máximo de gás, podendo receber ainda biometano. Outra iniciativa é a construção da nova sede da companhia em Jacareí (SP), obra que recebeu a certificação Leed Silver para construções sustentáveis – veja os detalhes do prédio clicando aqui. Mas a principal ação de sustentabilidade da empresa foi a recente aquisição da Massfix, a maior recicladora de vidros (planos, laminados e ocos) do Brasil.

Um dos focos da Guardian está na divulgação dos efeitos de seus vidros na natureza. A empresa desenvolveu as Declarações Ambientais de Produtos (EPDs), documentos que apresentam informações sobre o impacto ambiental do ciclo de vida dos produtos. Disponível para América do Norte, Europa, África, Oriente Médio e Índia, o documento em breve contemplará o Brasil: a renovação das EPDs para a América do Norte vai incluir no processo a fábrica da Guardian em Porto Real (RJ). A previsão é de que essa EPD seja publicada no final de 2023. A usina também investe em parcerias com clientes em programas de devolução de vidro plano, aumentando a disponibilidade do material para uso na fabricação, entre outras ações.

A Vivix também planeja adotar energias limpas conforme a possibilidade de aplicação delas avançar. O novo forno recém-anunciado pela usina, a ser construído no município de Goiana (PE) ao lado de sua atual planta, está sendo preparado para uso parcial de biogás e hidrogênio. “Acho que todas as empresas, não apenas a nossa, devem evoluir para essas fontes nos próximos anos”, avalia o presidente da empresa, Henrique Lisboa.

Este texto foi originalmente publicado na edição 596 (agosto de 2022) da revista O Vidroplano. Leia a versão digital da revista.

 

Crédito da foto de abertura: Miha Creative/stock.adobe.com



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