Elas transformam o vidro
31/03/2025 - 18h18

As mulheres vêm ocupando cada vez mais espaço no mercado de vidros. Essa é uma tarefa necessária para a própria oxigenação das visões e experiências das empresas: elas podem trazer ideias disruptivas que farão diferença positiva para o segmento.
Pensando nisso, e também para celebrar o Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, O Vidroplano preparou uma reportagem especial, na qual conversou com diversas mulheres líderes em suas empresas para entender como construíram suas trajetórias dentro do segmento vidreiro, além de revelar as dificuldades ainda encaradas no dia a dia. O VidroCast, o podcast da Abravidro, também aborda o tema em programação especial com mulheres líderes em suas empresas.
Na indústria
De acordo com pesquisa do Observatório Nacional da Indústria, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), as mulheres representam um quarto da força de trabalho desse segmento no Brasil. Em cargos de gestão no setor, a participação é melhor: de 2008 a 2021, houve aumento na quantidade de mulheres líderes, passando de 24% para 31,8%, o que corresponde a quase um terço do total.

Quem é ela
“Sou gerente-financeira do grupo, exerço essa função há 28 anos. O financeiro envolve toda a empresa, pois, por ele, passam todas as ações e planejamento que executamos nesses anos.”
Denise Favero Ramos (Blue Glass)
A indústria brasileira ainda está abaixo da média dos demais setores da economia – nos quais as mulheres ocupam quase metade das posições de liderança (46,7%). No entanto, o crescimento da presença feminina na cadeia foi três vezes maior no mesmo período (32,5%, contra 9,8% nos demais segmentos).
Ainda não existem dados para mostrar como anda esse indicador no mercado vidreiro. Medindo no olho, parece, sim, que mais mulheres fazem parte da rotina estratégica das empresas vidreiras comparando-se com anos anteriores. “As mulheres, a todo tempo, precisam se provar. Quando você abre a boca para falar, começa a se posicionar e mostrar seu conhecimento técnico, o povo olha de uma forma diferente. Em muitos casos ainda sinto que preciso argumentar para que me respeitem. Então, essa situação continua a acontecer, mas o cenário melhorou”, analisa Audrey Dias, diretora da Aluparts.

As mulheres representam um quarto da força de trabalho na indústria brasileira (Foto: reewungjunerr/stock.adobe.com)
Obstáculos
“Embora o cenário esteja mudando e haja um avanço significativo na inclusão feminina, ainda existem barreiras culturais e, em alguns casos, preconceitos velados, o que gera desafios para as que assumem posições de liderança ou funções técnicas na produção”, explica Denizy Alves, gerente-comercial da Govidros, de Goiânia.
Na percepção de 92% dos participantes de uma pesquisa realizada em 2020 pelo Instituto Patrícia Galvão, mulheres sofrem mais situações de assédio no ambiente de trabalho que os homens. Além disso, as opiniões ou pontos de vista não eram levados em consideração por 37% das entrevistadas.
“Já tive cliente que quis ser atendido por homem, pois acha que não sabemos do assunto, me culpando porque demorou para entregar os vidros. Enfim, comércio é um desafio diário, e aprendemos a lidar com tudo e todos”, comenta Simone Carvalho, irmã de Denizy e também gerente-comercial da Govidros.

Quem é ela
“Como diretora-administrativa da processadora Vipel e da extrusora de alumínio Alump, acabo participando de várias áreas: comercial, faturamento, controladoria e atendimento ao cliente também. Eu faço a compra de matéria-prima das duas empresas, sendo responsável por negociações diretas com os grandes fornecedores do nosso mercado.”
Bruna da Motta (Vipel)
“Nunca sofri preconceito explícito, mas ele é, normalmente, velado, de forma sutil, em não querer tratar de certos assuntos com uma mulher”, exemplifica Bruna da Motta, diretora da Vipel, de Tubarão (SC). “Os homens mais novos vêm aceitando muito mais, mas os que estão há mais tempo no setor ainda podem ter certa resistência, e isso aparece subestimando a eficiência da mulher no dia a dia. Mas acredito que, mostrando que somos capazes, conseguimos nosso lugar.”
“Embora tenha ocorrido progresso, é fundamental continuar a luta por um ambiente de trabalho justo e igualitário para todos. Estamos comprometidos em promover a inclusão e garantir que atitudes discriminatórias não sejam toleradas. Nosso objetivo é que todos se sintam valorizados e respeitados, tanto no ambiente de trabalho como em nossas relações comerciais”, aponta Neiva Nicaretta, diretora e cofundadora da Modelo Vidros, de Garibaldi (RS).
Para Elaine Mossin, gerente-administrativa da LM Vidros, de Campo Grande, é importante a profissional mulher estar preparada para esse tipo de desafio: “Sempre busquei me qualificar para que eu fosse respeitada não por ser mulher, mas profissional. Acho que isso é importante para que tenhamos segurança de nossa própria capacidade”. No entanto, vale reforçar: a principal responsabilidade para criar condições que possam deixar o machismo de lado é dos homens.

Aos poucos, as mulheres vão assumindo posições de liderança nas empresas vidreiras, seja na gestão do empreendimento ou mesmo em atividades de chão de fábrica (Foto: JackF/stock.adobe.com)
A importância de oferecer oportunidades
Segundo a pesquisa da CNI citada anteriormente, a cada dez indústrias brasileiras, seis contam com programas ou políticas de promoção de igualdade de gênero – dessas, 61% afirmam tê-las há mais de cinco anos. Entre as iniciativas mais usadas estão política de paridade salarial (77%), proibição de discriminação em função de gênero (70%), cursos específicos para qualificação de mulheres (56%) e estímulo à ocupação de cargos de chefia (42%). O estudo revela ainda que que 57% dos entrevistados (mais de mil executivos industriais, sendo 40% do sexo feminino) dão importância alta ou muito alta a políticas de gênero.
Não só as profissionais se beneficiam com maiores chances, pois conseguirão se inserir no mercado de trabalho, mas, principalmente, as empresas. “A diversidade traz novas perspectivas, amplia a criatividade e fortalece a inovação dentro das companhias”, comenta Denizy Alves, da Govidros. “Acreditamos que o talento e a capacidade de liderança não tenham gênero – o que importa são a competência, a visão estratégica e o comprometimento.”

Quem é ela
“Atuo de forma estratégica e comercial, garantindo que a empresa esteja sempre alinhada às demandas do mercado. Além de cuidar da precificação dos produtos, também acompanho de perto a fabricação para garantir a qualidade e eficiência dos processos.”
Denizy Alves (Govidros)
Para Simone Carvalho, da Govidros, sempre é possível deixar comportamentos culturais antiquados para trás: “Entendo que pode não ser fácil para alguns homens serem liderados por mulheres, mas mesmo meu pai teve de se remodelar na questão do machismo, pois somos minha mãe e três filhas mulheres, todas dentro da empresa”.
Como pondera Elaine Mossin, da LM Vidros, as mulheres são tão competentes quanto os homens nas mais diversas atividades. “Sem contar que somos multitarefas, detalhistas e conseguimos equilibrar melhor razão e emoção para lidar com pessoas”, frisa. Tais características são imprescindíveis para o mercado vidreiro, que depende de visão criativa para trabalhar com produtos de valor agregado. “Mulheres impulsionam inovação e criatividade, favorecendo o desenvolvimento de novos produtos e soluções para um público mais amplo. Além disso, contribuem para uma cultura organizacional mais colaborativa e inclusiva, promovendo a retenção de talentos. A diversidade torna as decisões mais equilibradas, assertivas e éticas”, define Neiva Nicaretta, da Modelo Vidros.
A opinião é compartilhada por Bruna da Motta, da Vipel. “A inclusão feminina no setor vidreiro ajuda a oferecer novas soluções criativas aos desafios do setor. E ainda inspira meninas a seguir carreira, para se tornar também líderes.”

Não só as profissionais se beneficiam com maiores chances, pois conseguirão se inserir no mercado de trabalho, mas, principalmente, as empresas: diversidade traz novas perspectivas e maior inovação às companhias (Foto: romul014/stock.adobe.com)
Avançamos em equidade
O 2° Relatório de Transparência Salarial e Critérios Remuneratórios, do Ministério do Trabalho e Emprego, divulgado no ano passado, indica que as mulheres recebem 20,7% menos do que os homens nas mais de 50 mil empresas consultadas (com cem ou mais empregados).
Mas existem boas notícias: levantamento da CNI mostra que, nos últimos dez anos, houve aumento da igualdade salarial entre mulheres e homens. O indicador subiu 6,7 pontos, saindo de 72 pontos (em 2013) para 78,7 (em 2023) – quanto mais próximo de 100, maior a equidade.

Quem é ela
“Meu dia a dia é dividido entre os setores comercial e administrativo/financeiro, incluindo a assistência na tomada de decisões estratégicas junto à diretoria da empresa.”
Elaine Mossin (LM)
Além disso, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a participação das mulheres no mercado de trabalho aumentou nos países que compõem o G20. No Brasil, o indicador também cresceu: de 34,8%, em 1990, para 52,2%, em 2023.
Quais os caminhos para continuar transformando esse panorama, então? “Acredito que a cultura de muitas empresas precisa mudar para que as mulheres tenham mais acesso ao setor vidreiro. A automatização das linhas de produção pode ser um caminho para que comecemos a ter mulheres também no chão de fábrica”, analisa Denise Favero Ramos, gerente-financeira da Blue Glass, de São José dos Pinhais (PR).
Bruna da Motta, da Vipel, também aposta na criação de políticas internas de apoio à carreira das mulheres, mudando a cultura organizacional enraizada apenas no masculino: “É preciso educar cada vez mais a sociedade para o tratamento igualitário dos gêneros”.

Quem é ela
“Como diretora e cofundadora da empresa ao lado do meu esposo, Leonir, minha rotina é multifacetada, unindo a gestão financeira à estratégia geral do negócio. Meu foco diário está na sustentabilidade financeira, supervisionando contas a pagar e a receber, fluxo de caixa, análise de crédito e gestão de investimentos.”
Neiva Nicaretta (Modelo Vidros)
“O primeiro passo é desconstruir a ideia de que certas funções têm gênero”, afirma Denizy Alves, da Govidros. “Empresas e lideranças precisam promover um ambiente inclusivo, em que as mulheres se sintam bem-vindas e tenham condições de crescer profissionalmente”. Elaine Mossin, da LM Vidros, olha para outros setores da construção civil como bons exemplos a serem seguidos: “Temos mulheres trabalhando como pintoras, assentadoras de piso – que se destacam por serem mais detalhistas –, entre outras funções. As mulheres desempenham muito bem seus papéis, com profissionalismo e muita competência”.
Neiva, da Modelo Vidros, cita ações que sua processadora aplica no dia a dia, incluindo a colocação de mulheres em cargos de liderança de setores internos como comercial, RH e compras. “Como estamos comprometidos em valorizar o trabalho voluntário feminino na sociedade, criamos o programa Mulher Modelo, que reconhece e destaca mulheres que realizam esse tipo de atividade”, revela.

Foto: Thiago Borges
Eventos e ações para debater o tema
Indo além das atividades internas nas empresas, nosso setor também precisa debater o tema publicamente. Nesse sentido, estamos bem-servidos, com alguns eventos próprios para discutir a posição das profissionais no empreendedorismo vidreiro.
A Blindex realizou quatro edições do Fórum Transparência com Elas, que reúne franqueados, parceiros e clientes para trocar ideias sobre o espaço da mulher no mercado de trabalho – saiba mais a respeito da iniciativa na entrevista com Glória Cardoso, gerente-geral da Pilkington e Blindex, clicando aqui.

Quem é ela
“Estou na Govidros desde meus onze anos. Já limpei a empresa, implementei o cafezinho coado na hora, fiquei no caixa – mas eu queria mesmo era vender. Depois de voltar de uma licença maternidade, fui direto para o setor de vendas. Minha clientela era boa e fiel, e para mim representavam mais do que clientes, viraram meus amigos. Finalmente fui convidada para a gerência dessa área, meu cargo atual.”
Simone Carvalho (Govidros)
A companhia, inclusive, oficializou, no dia 8 de março, uma parceria com o Instituto Mulher em Construção (Imec) para patrocinar a formação da primeira turma de vidraceiras do instituto. Com os conhecimentos adquiridos, as participantes do curso poderão atuar profissionalmente na instalação de sistemas de envidraçamento, promovendo sua independência financeira e ampliando suas perspectivas de carreira. “Essa é uma ação prática que demonstra como as mulheres podem explorar novos mercados, especialmente o do vidro”, destaca Glória Cardoso.
O Imec atua há quase duas décadas capacitando mulheres para a construção civil, já tendo formado mais de 7 mil profissionais em elétrica, hidráulica, pintura e assentamento de pisos. Os cursos para formação de vidraceiras serão gratuitos e contarão com uma estrutura que combina teoria e prática – datas, local e mais informações sobre as inscrições ainda serão divulgados.

Eventos para discutir a posição das profissionais no empreendedorismo vidreiro também são relevantes, como é o caso do Encontro Paranaense de Mulheres Vidreiras, organizado pela Adivipar-PR (Foto: Duda Dalzoto)
As entidades vidreiras regionais também estão de olho no assunto. O Sindividros-RS organiza o Vidro Delas, evento exclusivo para arquitetas, designers de interiores, engenheiras, gestoras, colaboradoras e funcionárias das indústrias e vidraçarias representadas pela entidade. A Adivipar-PR, por sua vez, idealizou, em 2023, o Encontro Paranaense de Mulheres Vidreiras. Realizado no Viale Cataratas Hotel, em Foz do Iguaçu, contou com 170 participantes que conferiram uma programação de palestras voltadas tanto para o universo feminino como para o segmento vidreiro nacional. Este ano, em junho, ocorre a 2ª edição.
Foto de abertura: Halfpoint/stock.adobe.com
Voltar
Itens relacionados ................................................................................................
- Cebrace tem novo diretor de Marketing
- Voilàp Glass adquire participação majoritária da Mappi International
- Ministério Público do MS revela nomes de empresas investigadas
- Ministério Público do MS investiga empresas vidreiras
- Abramat aponta aumento nas vendas de materiais de construção em junho
- Abravidro participa de reunião com senador em Brasília