Ao longo da última semana de setembro, diversas cidades nas regiões Sudeste e Sul do Brasil foram atingidas por fortes vendavais e tempestades – algumas rajadas registradas chegaram a uma velocidade superior a 150 km/h. Essas intempéries resultaram em inúmeros relatos de danos à infraestrutura dos municípios, principalmente em edificações, incluindo a quebra e a queda de vidros e esquadrias aplicados em fachadas, janelas e outras estruturas.
No caso do nosso material, será que se pode dizer que os estragos causados pelos temporais eram inevitáveis ou as estruturas falharam em apresentar a resistência esperada? O que, então, pode ter causado essas falhas? A seguir, O Vidroplano apresenta o que as normas dizem sobre a relação entre vidros e ventos, e também as observações de especialistas a respeito da importância de seguir as indicações normativas durante a especificação, instalação e manutenção preventiva periódica de sistemas com o nosso material.

(Fotos: Laboratório de Aerodinâmica das Construções/UFRGS)
Imagem arranhada?
Vinicius Coraiola, diretor de Obras da Alubauen, fabricante de esquadrias para projetos comerciais e residenciais, ressalta que o vidro, quando bem-especificado e instalado dentro das normas, é um dos materiais mais seguros da construção civil. “O problema em muitos desses casos não está no vidro em si, mas na escolha e dimensionamento incorretos das esquadrias que o suportam, e também na especificação inadequada dos painéis, os quais muitas vezes não seguem as normas técnicas vigentes”, avalia.
Infelizmente, boa parte da sociedade desconhece essa informação, e a imagem negativa acaba recaindo sobre nosso material. “Sem dúvidas, o impacto visual de grandes áreas de vidros quebrados e janelas destruídas transmite insegurança, e isso pode levar à ideia de que o vidro em si é frágil e incapaz de resistir a condições climáticas mais severas, manchando a reputação dele perante as pessoas comuns”, alerta Crescêncio Petrucci Júnior, diretor técnico da Crescêncio Engenharia. “Episódios como esses podem, sim, reforçar mitos sobre a vulnerabilidade do vidro, mesmo que ele, quando corretamente dimensionado, seja altamente eficiente e seguro.”
Nesse sentido, como avaliar o que levou à destruição dos sistemas? Segundo Acir Mércio Loredo-Souza, professor-titular e diretor do Laboratório de Aerodinâmica das Construções da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é necessário investigar:
- Se o projeto da aplicação da estrutura danificada realmente existia e se as pressões devidas ao vento foram estimadas corretamente;
- Se a construção seguiu o projeto em questão;
- Se o evento sofrido foi realmente mais severo do que aqueles especificados nas indicações normativas – de acordo com Acir, aparentemente não foi o que aconteceu nos casos pelo País.

(Foto: Laboratório de Aerodinâmica das Construções/UFRGS)
Efeitos dos ventos sobre as obras
Acir explica que o vento pode gerar tanto sobrepressões (“empurrando” a superfície) quanto sucções (“puxando” a superfície) nas fachadas das edificações: “Essas sobrepressões e sucções ocorrem com diferentes intensidades ao longo das fachadas das edificações e são muito afetadas pela forma arquitetônica e por sua vizinhança. Geralmente, as piores cargas exercidas sobre a edificação são devidas a sucções que ocorrem próximas a arestas vivas das fachadas e em superfícies curvas”.
As pressões externas acabam transmitidas para o interior da edificação através das aberturas da fachada – e as pressões internas daí decorrentes se combinam com as externas. Com isso, as forças resultantes podem atingir valores elevados sobre os elementos de vedação. Dessa forma, a estimativa dessas forças durante a especificação deve ser feita adequadamente para garantir que o projeto seja seguro.
De olho nas normas
A principal norma técnica relativa ao tema, a ABNT NBR 6123 — Forças devidas ao vento nas edificações, estabelece as condições para consideração das forças devidas às ações estática e dinâmica do vento para efeitos de projeto de edificações – abrangendo edifícios, torres, ginásios e outras obras de engenharia civil, seja a estrutura inteira ou em partes, além de componentes estruturais e acessórios. A norma apresenta procedimentos para o cálculo das forças devidas ao vento em edificações, além de conter o mapa de isopletas (velocidades básicas do vento) do Brasil, em relação à pressão de vento, o qual é fundamental para esses cálculos.
Embora a ABNT NBR 6123 não preveja testes de desempenho e resistência, Igor Alvim, diretor técnico da QMD Consultoria, aponta que esses ensaios são contemplados em outra norma importante, a ABNT NBR 10821 — Esquadrias externas para edificações. Ela prevê os testes de estanqueidade à água, penetração de ar e resistência às cargas de vento.
“Os critérios das cargas aplicadas dependem da altura do empreendimento, da rugosidade do terreno e de sua localização. A norma traz uma tabela para prédios com arquitetura regular que tenham até 90 m de altura”, comenta Alvim. Fora dessas condições, há duas alternativas para definir as cargas: calculá-las por meio da ABNT NBR 6123, ou simular o empreendimento e seu entorno em túnel de vento. “Ambas são opções aceitáveis e nos darão o básico para o dimensionamento correto das esquadrias e fachadas.”
E para o vidro? A ABNT NBR 7199 — Aplicações de vidros na construção civil – Requisitos, principal norma para o nosso setor, traz diversas referências à ABNT NBR 6123 e à ABNT NBR 10821: como exemplo, a pressão do vento à qual o vidro será submetido é um dos critérios que precisam ser levados em consideração para o cálculo de sua espessura – que também levará em conta outros fatores como o tipo de vidro e a quantidade de apoios. Em outras normas, como a ABNT NBR 14718 — Guarda-corpos para edificação e a ABNT NBR 16259 — Sistemas de envidraçamento de sacadas – Requisitos e métodos de ensaio, a informação sobre a pressão do vento é essencial para a correta avaliação do sistema.

Resistência abaixo do esperado
Segundo Coraiola, da Alubauen, a maioria dos fornecedores de esquadrias trabalha com linhas comerciais padronizadas, que geralmente têm ensaios em classe 600 ou 800 Pa – abaixo da resistência que seria necessária para suportar as rajadas das tempestades recentes, cuja velocidade equivalia a pressões de, aproximadamente, 930 a 1.060 Pa.
Mas o que leva as construtoras a não buscar produtos mais resistentes? Coraiola considera que as principais causas para isso são:
- Foco no custo: construtoras e clientes finais ainda olham mais para preço do que para desempenho técnico;
- Baixa fiscalização: embora a ABNT NBR 10821 traga critérios, falta uma fiscalização mais rigorosa na prática para garantir que os produtos atendam as pressões de vento de cada região;
- Falta de conhecimento técnico: muitos projetistas e engenheiros desconhecem os mapas de pressão de vento do Brasil e não fazem o cálculo adequado;
- Oferta do mercado: como a maioria dos fornecedores produz linhas em classes mais baixas, o próprio mercado acaba se acostumando com esse padrão.
Os estragos causados pelas tempestades recentes podem contribuir para uma mudança nesse cenário. “Eventos climáticos extremos estão se tornando mais frequentes e, inevitavelmente, isso pressiona o mercado a rever suas práticas. Acredito que veremos um aumento da procura por esquadrias mais robustas, especialmente em empreendimentos de alto padrão e em regiões críticas”, considera Coraiola. Mas ele ressalta que, para haver mudanças em escala, será necessária maior conscientização de construtoras, projetistas e consumidores, além de uma atuação mais firme dos órgãos fiscalizadores e das entidades de classe.
Nesse sentido, no dia 25 de setembro, a Abravidro assinou uma carta aberta, ao lado de 21 entidades da cadeia de vidros e esquadrias: o documento aborda os acidentes causados pelos vendavais presenciados e alerta a respeito da importância de especificar corretamente os vidros de acordo com as normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). “Seguir as normas técnicas e adotar medidas preventivas é uma responsabilidade compartilhada. Esse compromisso transforma nossas edificações em espaços mais seguros, duráveis e confortáveis, preservando vidas e patrimônio”, enfatiza a carta.

(Foto: Serhii/stock.adobe.com)
Cuidados especiais em cada etapa
Para garantir que as estruturas envidraçadas sejam capazes de oferecer a resistência necessária contra a pressão dos ventos, o trabalho começa ainda na especificação adequada dos vidros. “Para isso, é indispensável a correta determinação da pressão de vento incidentes sobre a edificação, o que pode ser realizado conforme a norma ABNT NBR 6123. Essa norma consegue, com certa precisão e segurança, estabelecer as ações de vento sobre a edificação que devem ser consideradas para o dimensionamento seguro dos vidros e das esquadrias”, orienta Crescêncio Petrucci Júnior. Ele acrescenta que, além do nosso material, a estabilidade estrutural de todos os componentes da esquadria precisam atender os requisitos normativos, incluindo perfis, ancoragens, ligações e sistemas de vedação.
Crescêncio salienta ainda que, antes de ser instaladas, muitas esquadrias são submetidas a ensaios de desempenho em laboratório, com o objetivo de validar sua eficiência em diversos aspectos, tais como resistência estrutural, estanqueidade à água, permeabilidade ao ar e segurança diante dos esforços decorrentes do manuseio e de manutenção. “Dessa forma, garante-se que a esquadria proporcione o suporte adequado e necessário para o vidro, contribuindo para a segurança e a durabilidade do sistema como um todo.”
Mas os cuidados não terminam na especificação: a fixação adequada é fundamental para garantir a estrutura das esquadrias e dos vidros – para isso, são necessários cuidados como respeitar a distância entre os pontos de fixação, utilizar chumbadores compatíveis com os esforços atuantes e evitar erros como excentricidade dos esforços, apoios incorretos e contatos com materiais rígidos, que podem comprometer o desempenho e levar à quebra do vidro. “Também é importante impedir torções e empenamento das peças, não permitindo a instalação dos vidros sob condições de torção que podem gerar fissuras e comprometer a estabilidade do vidro quando submetido a pressão de vento”, indica Crescêncio.
Por fim, mesmo depois que a obra estiver finalizada, não se pode deixar de lado a manutenção preventiva das fachadas e outras estruturas externas envidraçadas. A periodicidade dessa manutenção varia de acordo com o tipo de sistema construtivo adotado, o ambiente em que a edificação está inserida e as recomendações do fabricante e do sistemista, mas, de forma geral, recomenda-se sua realização a cada doze meses, contemplando vistoria visual e teste de estanqueidade em alguns casos.
Foto de abertura: Wheat field/stock.adobe.com