Nos últimos anos, ocorreu uma mudança no perfil dos vidros importados no Brasil. Agora não é só o float estrangeiro que entra no País: houve um aumento histórico da importação de vidros processados, como temperados e laminados. No fim de novembro, o Comitê Executivo de Gestão (Gecex), da Câmara de Comércio Exterior (Camex), decidiu aumentar a alíquota do Imposto de Importação do laminado – de 10,8% para 25%. O órgão também renovou por mais doze meses o percentual de 25% para o imposto de importação do float incolor.
Para analisar essa situação, O Vidroplano traz dados atualizados sobre as importações de nosso material, além da opinião de empresas que trabalham com laminados, um produto de valor agregado cujo crescimento no mercado pode estar em xeque por conta dos importados. Confira também informações sobre os temperados e como questões macroeconômicas podem explicar o atual panorama.
Aumento
A atuação do Gecex atendeu pleitos da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro) que estão amparados no mecanismo de Desequilíbrios Comerciais Conjunturais (DCC), criado pelo Mercosul com o objetivo de barrar os impactos nas indústrias dos países membros do bloco por conta de flutuações transitórias no comércio de produtos – causadas, por exemplo, pelo aumento repentino nas importações ou queda anormal de preços dos produtos importados.
Os casos foram enviados para deliberação da Comissão de Comércio do Mercosul – e, até o fechamento desta edição de O Vidroplano, o processo ainda não havia sido finalizado. Caso não haja manifestação negativa dos países membros do bloco, as determinações começam a valer a partir da publicação de uma Resolução Gecex pelo Brasil. Importante: ambas as medidas valerão somente no Brasil, para produtos de qualquer origem, com exceção dos países membros do Mercosul, e terão validade de doze meses.
Importação recorde
As medidas surgem em um momento no qual ocorre um aumento substancial na entrada de vidro processado estrangeiro no País.
Laminado:
- O acumulado na importação de laminados, de janeiro a novembro de 2025, é de 35.593 t, o maior número da série histórica mantida pelo governo federal, iniciada em 1997 – e isso sem considerar o volume de dezembro;
- Em novembro, entraram no Brasil 5.587 t de laminados importados, 32% a mais que a marca de outubro.
Temperado:
- O acumulado na importação de temperados, de janeiro a novembro de 2025, é de 32.739 t, quase 70% a mais que o volume de 2024 inteiro.
No total, levando em conta todos os vidros importados (matérias-primas e processados), o Brasil recebeu até agora 246.971 t este ano.
“A Abravidro considera que essas medidas são importantes para a indústria que trabalha fortemente para desenvolver o mercado de laminados, mas, há três anos, vê recordes históricos nas importações desse vidro”, analisa Rafael Ribeiro, presidente da entidade. “Nossas empresas, que operam aquém da capacidade do parque industrial instalado no Brasil, agora têm visto o mercado adicionar capacidade com a importação de vidros processados. A Abravidro contribuiu com dados e informações para os pleitos do laminado, e acompanha o tema com atenção.”
Atenção aos temperados
Outro produto a ser monitorado de perto é o temperado. “Ele é o principal produto da cadeia de processamento, responsável por quase 60% do consumo de processados não automotivos, e também tem enfrentado a forte concorrência dos importados – em agosto deste ano, já havíamos superado todo o volume de 2024, aumentando ainda mais os índices de ociosidade da cadeia”, comenta Rafael Ribeiro.
Já há uma medida de defesa comercial vigente – um direito antidumping, atualmente em revisão, para temperados usados em prateleiras de geladeira. No entanto, os volumes só aumentam, inclusive com especificações até então pouco importadas, como é o caso das chapas de espessura mais alta, destinadas à construção civil, principal mercado da nossa indústria. Para Lucien Belmonte, presidente-executivo da Abividro, o aumento da alíquota dos laminados é uma vitória para a cadeia, mas é preciso olhar agora para outros produtos. “Temos de buscar alternativas também para o temperado”, comenta.

Foto: noprati/stock.adobe.com
Impactos no mercado
De modo geral, as empresas consultadas para esta reportagem não são contra a presença de produtos importados no mercado brasileiro – afinal, a competição saudável contribui para que a indústria nacional evolua continuamente, busque eficiência e se torne cada vez mais relevante para os clientes consumidores de vidro. “Por outro lado, essa concorrência deve ocorrer em condições equilibradas, sem práticas artificiais ou subsídios que prejudiquem a competitividade das empresas que investem e produzem no Brasil”, analisam Lucas Malfetano e Wiltson Varnier, diretores-executivos da Cebrace, usina que também atua na fabricação de laminados. “Esse movimento impacta os nossos volumes e, sobretudo, afeta diretamente os negócios de nossos clientes, que investiram de forma robusta em linhas de laminação.” A Vivix, a outra usina em solo nacional com linha para esse produto, não conseguiu atender o prazo para participar da matéria.
A diretora da PKO Vidros, Myrian Ang, aponta três questões cruciais vivenciadas com o aumento da importação dos laminados: distorção de competitividade, redução de utilização de capacidade e retração de investimentos. “Quando laminados chegam com valores muito inferiores ao custo sustentável – muitas vezes próximos ao valor do próprio insumo –, isso se reflete em desequilíbrio competitivo. A indústria nacional perde espaço não por falta de capacidade ou qualidade, mas porque disputa em condições desiguais”, comenta. “Além disso, o deslocamento artificial de demanda reduz a utilização das plantas no Brasil, afeta investimentos e coloca em risco empregos qualificados e desenvolvimento tecnológico.”
E não são apenas as laminadoras a serem afetadas: produtores de insumo também encaram instabilidade num momento como esse. “A redução da participação de mercado (o market share) da indústria nacional, consequentemente, deixa o foco nos importadores”, afirma Marcos Aceti, coordenador-comercial e de Vendas Técnicas da Kuraray, companhia fabricante de interlayers. “Em paralelo, a pressão sobre os preços e suas margens causa insegurança no setor. A queda na confiança traz risco à cadeia produtiva e arrasa o negócio.”
Conformidade técnica
Além das questões econômicas, existe uma preocupação legítima da indústria em relação à qualidade de parte do material estrangeiro. “O laminado é amplamente associado à segurança, e o cumprimento rigoroso das normas técnicas é condição básica para proteger os usuários e manter a confiança no produto”, alertam Malfetano e Varnier, da Cebrace. “Quando produtos de qualidade inferior entram no mercado, o risco não é apenas comercial – é também reputacional. Isso porque eventuais falhas podem comprometer a percepção dos consumidores sobre o vidro como material seguro e confiável, prejudicando toda a cadeia.”
Segundo Myrian Ang, da PKO, há casos de laminados chegando ao País com PVB abaixo da espessura mínima permitida pelas normas técnicas da ABNT. “Um fato como esse coloca a discussão em um patamar que não se limita ao preço, mas passa pela segurança e responsabilidade. A PKO encara esse cenário com serenidade e foco no que controla: processos robustos, tecnologia e qualidade superior.”
Os temperados passam por uma situação semelhante: peças sem a marcação indelével do fabricante vêm de fora do País – o que contraria a normalização nacional. É por isso que toda empresa que importa vidros deve realizar testes nas peças, conforme mandam as normas.
Alíquotas e outras medidas
Para a Cebrace, o aumento da alíquota do laminado é um passo importante para restabelecer condições mais equilibradas de competição no mercado, mas a empresa entende que isso faz parte de um conjunto maior de ações necessárias. “A Abividro, por exemplo, ingressou recentemente com um processo antidumping específico para laminado, justamente por entender que existem indícios que justificam essa investigação, além da necessidade de proteger a indústria nacional contra práticas desleais”, explicam os diretores-executivos da usina. Malfetano e Varnier indicam ainda outras questões relevantes para a competitividade da cadeia nacional, como o preço do gás natural, insumo fundamental para a produção de vidro.
“Apesar de ser uma multinacional, a Kuraray tem interesse comercial claro no vigor da indústria de processamento brasileira e, por isso, tenderá a ter uma postura alinhada com as entidades locais que buscam a competitividade do produto nacional”, comenta Marcos Aceti. Segundo ele, um aumento ainda maior da alíquota, de 25% para 75%, pode ser um caminho eficaz.
Myrian Ang aponta ainda outras medidas igualmente essenciais em relação ao laminado:
- Fiscalização efetiva do atendimento às normas, ensaiando os vidros para conferir se atingem os resultados esperados na classificação de segurança, de forma a garantir que todo laminado usado no Brasil cumpra a espessura mínima de PVB e demais requisitos de segurança recomendados;
- Rastreabilidade e transparência, permitindo que o cliente identifique origem, composição e certificações;
- Educação técnica do mercado, fornecendo informações sobre produtos para especificadores, construtoras e instaladores;
- Iniciativas das próprias empresas para garantir qualidade, consistência e responsabilidade técnica. “Nossos processos incluem, por exemplo, laboratório próprio; testes contínuos de resistência, adesão e comportamento do laminado; auditorias internas; conformidade rigorosa com as normas; e operação sempre acima dos parâmetros mínimos exigidos. Essas medidas reforçam que o caminho sustentável para o setor é elevar o padrão técnico, não reduzi-lo”, frisa Myrian.

Foto: Amorim Leite
A situação do float incolor
O aumento da alíquota para importação de float, renovada em novembro pelo Gecex, foi aprovado originalmente há cerca de um ano. Após aprovação do Comitê do Mercosul e publicação de resolução, valerá por doze meses e não poderá ser aplicada novamente, pois é limitada a uma renovação. O volume de float incolor importado pelo Brasil disparou em 2023, chegando a 123 mil t, número que cresceu ainda mais no ano passado: 140,7 mil t, maior nível desde o início da aplicação do direito antidumping, em 2014. Este ano, já são 94.379 t no acumulado de janeiro a novembro.
No que ficar de olho ao importar vidros
Ao importar vidros, é necessário avaliar as peças de acordo com as normas técnicas brasileiras. Veja abaixo requisitos importantes que precisam ser seguidos para laminados e temperados – obviamente esses cuidados valem também ao comprar processados nacionais.
LAMINADOS
A norma desse produto é a ABNT NBR 14697.
Espessura mínima de interlayer
A espessura da camada intermediária varia em função da soma da espessura nominal dos vidros da composição:
- Até 12 mm: interlayer de, no mínimo, 0,38 mm;
- Acima de 12 até 16 mm: interlayer de, no mínimo, 0,76 mm;
- Acima de 16 até 20 mm: interlayer de, no mínimo, 1,14 mm;
- Acima de 20 mm: interlayer de, no mínimo, 1,52 mm.
Avaliação da durabilidade
São três os ensaios que avaliam a durabilidade do laminado:
- Ensaio de resistência à alta temperatura: os efeitos avaliados são aparecimento de bolhas, delaminação ou opacidade;
- Ensaio de resistência à umidade: os efeitos avaliados são aparecimento de bolhas, delaminação e turvação;
- Ensaio de resistência à radiação: os efeitos avaliados são modificação na transmitância luminosa, aparecimento de bolhas, delaminação, turvação e/ou opacidade. Importante: a resistência à radiação está diretamente relacionada às propriedades do interlayer. Uma vez que a laminação não altera essas propriedades, o ensaio pode ser substituído por um laudo apresentado pelo fabricante do interlayer. Na ausência do laudo, o processador fica responsável pelo ensaio.
Ensaio de classificação de segurança
Indica a performance do laminado quando submetido a impactos, avaliando se o vidro mantém o vão seguro depois de quebrado e se as características de quebra do material são seguras, reduzindo o risco de ferimentos graves. A norma estabelece a metodologia para a classificação do laminado como vidro de segurança nas classes 1 ou 2. Esse ensaio é realizado em duas etapas:
- Impacto por pêndulo: um pêndulo é lançado ao centro do laminado a partir de duas alturas: 1.200 mm para a classe 1 e 450 mm para a classe 2. Havendo quebra, é feita uma avaliação do comportamento da peça; bolhas, delaminação ou opacidade;
- Impacto por esfera: não havendo quebra no impacto de pêndulo, realiza-se o ensaio de queda de esfera de aço, lançada a partir de duas alturas: 3.660 mm para a classe 1 e 750 mm para a classe 2.
Para receber a classificação, o vidro precisa atender uma das condições:
- Não há quebra;
- Há quebra, mas sem ruptura da camada intermediária;
- Há quebra e rompimento da camada intermediária, mas a esfera não passa livremente pela camada em até dez segundos.
Em todos os casos, a esfera não pode atravessar o corpo de prova.
TEMPERADOS
A norma desse produto é a ABNT NBR 14698.
- Identificação do processador
Toda peça de temperado deve ser marcada de forma indelével e permanente com a logomarca do processador e/ou o nome do processador. A marcação precisa estar localizada próxima a um dos cantos, sendo totalmente visível e legível após a instalação. Além de permitir a rastreabilidade do produto, a marcação ajuda a diferenciar um temperado de um vidro comum, indicando se o material correto foi utilizado no caso de aplicações nas quais o temperado é exigido.
- Ensaio de fragmentação
A peça precisa apresentar a quantidade mínima de quarenta fragmentos (para espessura de 4 a 12 mm) após a realização do ensaio. Não há limitação para a quantidade máxima, mas é recomendável que não exceda 140 fragmentos. O ensaio avalia o comportamento de quebra do temperado – se irá se desintegrar em pequenos pedaços, sem arestas cortantes e pontiagudas, reduzindo o risco de ferimentos graves.
- Classificação de segurança
No ensaio, um pêndulo é lançado ao centro do vidro a partir de três alturas: 1.200 mm para a classe 1; 450 mm para a classe 2; e 200 mm para a classe 3. Após o impacto, o temperado atinge a classe referente ao impacto se não quebrar – em caso de quebra, será aprovado de acordo com a avaliação dos dez maiores fragmentos.
- Outros requisitos que avaliam a qualidade
A norma apresenta ainda requisitos de avaliação e tolerâncias para empenamentos e ondulações (empenamento total e localizado, ondas de rolete e elevação de borda), defeitos pontuais, lineares e de bordas, e também requisitos para furação e recortes.
Foto de abertura: Yellow Boat/stock.adobe.com








