Busca por uma indústria mais verde inclui o setor vidreiro

Saiba como a nossa cadeia vem se preparando para um futuro mais sustentável
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Busca por uma indústria mais verde inclui o setor vidreiro

Não é de hoje a crescente preocupação da indústria mundial com seu impacto no meio ambiente: empresas ao redor do globo têm, há tempos, tentado realizar seus processos de forma mais limpa – e nosso setor também se inclui nisso. Com a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), organizada no Brasil em novembro, o tema ganha novamente os holofotes, pois governos e setores econômicos se movimentam por meio de acordos para diminuir a emissão de gases poluentes – caso contrário, o clima na Terra ficará ainda mais descontrolado do que já está.

Aproveitando a repercussão do evento da ONU, O Vidroplano traz um panorama sobre a sustentabilidade na cadeia vidreira, o papel da construção civil (o segmento que mais consome vidro) para o assunto e como as indústrias se preparam para um futuro mais verde.

O ecológico vidro brasileiro
As usinas vidreiras que atuam no Brasil investem em processos mais sustentáveis, de forma a diminuir a pegada de carbono do vidro – esse termo é usado para definir a quantidade de gases de efeito estufa emitida direta ou indiretamente por pessoas, organizações, eventos ou na fabricação de produtos. Tanto que, no começo do mês passado, nosso setor foi considerado na Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB), instrumento desenvolvido pelo governo federal que cria um sistema de classificação das atividades setoriais para identificar quais segmentos contribuem para os objetivos climáticos, ambientais e sociais do País – incluindo aí o processo de descarbonização da economia. A partir disso, serão criadas políticas públicas e fontes de financiamento para que as cadeias escolhidas consigam atingir suas metas sustentáveis.

“Exceto na Costa Rica, que tem uma pequena indústria vidreira, nenhum outro país teve o vidro considerado para a definição da sua taxonomia local. Portanto, é possível afirmar que o Brasil é a primeira nação de porte a incluir o segmento nesses parâmetros”, explica Maurício Fernandes, consultor da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro). “Foi uma vitória para a cadeia. Pelas nossas estimativas temos um dos vidros com a menor pegada de carbono do mundo. E, para manter isso, podemos precisar de linhas de financiamento e políticas públicas.”

O Vidroplano levantou com as quatro usinas que atuam no País quais são as ações sustentáveis de seus processos produtivos. Confira a seguir o que cada uma apontou.

  • AGC
    O uso de energia elétrica 100% renovável e a aplicação da economia circular do vidro – em que os cacos retornam ao processo produtivo, dando origem a novos produtos sem perda de qualidade – são ações que já são pilares da estratégia sustentável da AGC. “Isso contribui diretamente para a redução do consumo de matérias-primas virgens, diminui o uso de energia nos fornos e reduz significativamente as emissões de CO2, ao mesmo tempo em que evita o descarte de resíduos em aterros”, explica João Veiga, coordenador do Sistema de Gestão Integrada da usina.

De acordo com a companhia, esse movimento integra uma sólida estratégia de ESG, que orienta as decisões. No pilar ambiental, a busca é para implementar tecnologias mais limpas e eficientes, monitorar emissões e otimizar o uso de água e energia. No âmbito social, a empresa investe na capacitação e segurança de nossos colaboradores e fortalecemos parcerias com ações sociais com a comunidade local – já em governança, o foco está em manter processos transparentes, práticas éticas e planejamento de longo prazo alinhado aos padrões globais do Grupo AGC, garantindo responsabilidade e integridade nas diferentes etapas produtivas.

“Temos como metas a busca e implantação de novas tecnologias de produção mais sustentáveis, buscando por maior eficiência em todos os processos produtivos e a melhoria contínua do uso sustentável de recursos, reforçando e ampliando nossas estratégias ambientais e de inovação”, comenta Veiga.

  • Cebrace
    Em setembro, a Cebrace lançou o Atmos, primeiro vidro de baixo carbono produzido na América do Sul: de acordo com a empresa, o produto é fabricado com cerca de 70% de material reciclado e usando fontes energéticas renováveis. Com isso, o carbono emitido em sua produção é até 50% menor na comparação com os vidros convencionais. O material pode ser aplicado juntamente com vidros de controle solar em laminados ou insulados, potencializando os ganhos ambientais e econômicos ao longo de toda a vida útil da edificação – o que contribui para as exigências de certificações ambientais como Leed, Aqua e Well.

A empresa também conta com compromissos corporativos e metas de Environmental, Social and Governance (ESG) até 2030, que incluem redução das emissões de CO2; diminuição de 50% do consumo de água; e redução de 80% dos resíduos não recuperados. “Temos diversas ações concretas para atingir essas metas”, explica Vinicius Balani, gerente de Desenvolvimento de Produto e Sustentabilidade da Cebrace. “Uma delas é o uso de biometano no forno de Jacareí [SP], desde julho de 2023, que substitui parcialmente o gás natural, reduzindo as emissões em cerca de 25 mil t de CO2 ao ano – e queremos expandir a iniciativa para as plantas de Caçapava [SP] e Barra Velha [SC]. Além disso, a Cebrace é membro-fundador do Green Building Council Brasil, órgão com atuação focada em certificações como o Leed, arquitetura sustentável e suporte técnico para projetos alinhados à construção verde. Nós fomos ainda, em 2023, a primeira usina vidreira a publicar Declarações Ambientais de Produto (EPD) para vidro float e de controle solar.”

  • Guardian
    A visão de longo prazo da companhia é baseada no conceito de stewardship – que vai além do desempenho ambiental, englobando dimensões sociais e de governança. Nesse sentido, a abordagem da Guardian para o tema tem duas dimensões principais. “Por um lado, estamos focados em melhorar o desempenho ambiental de como fabricamos o vidro, o que pode impactar o carbono incorporado no ambiente construído. Por outro, pensamos em como nosso vidro atua quando está em uso, ajudando a reduzir o carbono operacional dos edifícios”, comenta o diretor de Estratégias de Energia e Relações Corporativas da usina, Agnaldo Moura.

Em relação ao processo produtivo, a empresa investe em iniciativas voltadas para a otimização dos fornos (melhorando a eficiência energética e reduzindo emissões), para aumentar a reciclagem de cacos de vidro e para a otimização do uso de recursos e transporte.

Moura alerta também sobre a importância de disseminar as informações técnicas e as especificações sustentáveis de seus produtos: “A Guardian valoriza a comunicação transparente, fornecendo ferramentas que permitem garantir seu desempenho ambiental, além de reforçar e orientar relacionamentos com clientes, parceiros e sociedade. Entre essas ferramentas, estão as EPDs, Declarações de Saúde do Produto (HPD), Fichas de Dados de Segurança (FDS) voluntárias e o compromisso com o Fornecimento Responsável”.

  • Vivix
    Um dos principais investimentos sustentáveis da Vivix é o uso de energia limpa e renovável: desde 2024, todo o consumo de eletricidade da fábrica é proveniente da Usina Fotovoltaica Maravilhas I, parque solar construído pela Atiaia Renováveis (empresa do Grupo Cornélio Brennand) para atender de forma exclusiva a fábrica da usina em Goiana (PE).

“Focamos ainda na economia circular, com práticas de reciclagem e reutilização de materiais, aproveitando a reciclabilidade total do vidro para reduzir a extração de matérias-primas virgens, além da utilização do caco de vidro externo coletado no mercado”, revela o presidente da usina, Henrique Lisboa. “Contamos com uma gestão eficiente de resíduos, com segregação, destinação para empresas licenciadas e inspeções regulares para garantir conformidade ambiental. E vale citar parcerias para inovação, que incluem estudos com universidades para descarbonização dos processos de combustão e investimentos em tecnologias para eficiência energética – como a instalação de eletro-boosting, substituindo parte do gás natural por energia elétrica no momento da fusão.”

Projetos futuros da Vivix incluem o uso de biometano como combustível renovável, com menor emissão de gases de efeito estufa, e ampliação do monitoramento da pegada de carbono.

Na prática: as usinas fabricantes de vidro que atuam no País já aplicam conceitos sustentáveis a suas produções, na tentativa de diminuir a pegada de carbono do vidro nacional
Foto: Vasily Smirnov/stock.adobe.com

Saídas para outros elos
Outros elos da cadeia vidreira também precisam se adequar a novos padrões produtivos – algumas grandes construtoras já passam a exigir certificações ambientais de fornecedores de matérias-primas, movimento que só deve ganhar força daqui pra frente. A processadora Termari, de Viana (ES), ganhou recentemente o certificado Eco Ludfor, emitido pela concessionária de energia Ludfor, empresa pertencente ao Mercado Livre de Energia. A chancela reconhece que a Termari utiliza somente energia elétrica proveniente de fontes limpas, totalmente renovável e que não agride o meio ambiente. “Desde março de 2024, a energia elétrica consumida por nós é proveniente de usinas de fontes incentivadas eólica, solar e de biomassa. Dessa forma, deixamos de emitir mais de 36 mil t de dióxido de carbono equivalente”, revela o diretor Gilney Calzavara Júnior. “Decidimos investir nesse tipo de energia por alguns motivos: diminuir emissões e assim reduzir a dependência de combustíveis fósseis; criar produtos mais sustentáveis e premium; reduzir custos; garantir energia estável; aumentar nossa competitividade; e atender as novas demandas do mercado.”

É viável também tentar produzir a própria eletricidade, como fez em 2021 a Santa Rita Vidros Especiais, de São José (SC), após instalar 532 painéis fotovoltaicos nos galpões de sua unidade. À época, a processadora, especializada na produção de vidros laminados, informou que seu sistema fotovoltaico geraria cerca de 266 mil kWh por ano – com isso, a fábrica deixaria de emitir, aproximadamente, 30 t de CO2 por ano, o equivalente a 4 mil árvores.

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Movimentos da indústria e da construção
Todos os segmentos se movimentam na direção de atividades mais sustentáveis. A construção civil, por exemplo, é uma das mais preocupadas com a questão: esse setor, que é o que mais consome vidro, é responsável por cerca de 34% das emissões globais de gases de efeito estufa, considerando toda a sua cadeia (desde a extração de matérias-primas até a operação dos edifícios). Portanto, para a neutralidade climática de fato ocorrer, a construção se transforma em peça-chave.

Em reportagem especial sobre a COP30 no Globo.com, o vice-presidente de Recursos Humanos e Public Affairs do Grupo Saint-Gobain para a América Latina, Gustavo Siqueira, comenta que a demanda por soluções sustentáveis já é uma realidade: hoje, produtos desse tipo representam mais de 72% das vendas globais da companhia, considerando todos os seus produtos para a construção. Segundo Siqueira, desenvolver materiais eficientes faz parte de uma visão de crescimento sustentável – e, pelo contrário, não vai contra o objetivo central de uma empresa, que é lucrar. “A lógica não está em vender mais em volume, mas em gerar mais valor em cada projeto e ao longo do ciclo de vida de cada produto. Quando um material oferece desempenho superior, ele reduz a necessidade de manutenção, amplia a vida útil de uma edificação e se torna um diferencial competitivo, fortalecendo a relação de confiança com clientes e parceiros”, afirmou para a reportagem.

O Grupo Saint-Gobain faz investimentos da ordem de 100 milhões de euros por ano em pesquisa e desenvolvimento para soluções voltadas a todos os segmentos da construção – e o foco está na busca por tecnologias sustentáveis e na descarbonização de processos. Para a indústria vidreira, seu principal projeto nesse sentido foi feito em parceria com a AGC: em fevereiro deste ano, as empresas inauguraram um forno piloto híbrido, na fábrica da AGC Barevka, em Teplice, na Tchéquia, que promete diminuir em 192.500 t as emissões de carbono ao longo da próxima década.

A instalação, parte do projeto chamado Volta, funcionará com eletricidade e uma combinação de gás e oxigênio. Um dos chamarizes da nova tecnologia é a questão da circularidade, pois o forno operará com uma proporção muito maior de materiais reciclados do que os padrões da indústria. Quando a solução estiver disponível em larga escala, para ser aplicada por todo o setor na Europa, estima-se que a redução de emissões possa chegar a mais de 2 milhões de t anuais, diminuindo também o consumo de gás natural em mais de 10 TW/h.

“Esse é um grande passo em nossa jornada em direção à neutralidade de carbono e demonstra nosso compromisso com a inovação e a sustentabilidade”, comentou o presidente e CEO da AGC, Yoshinori Hirai, durante a inauguração do projeto.

Transformando a construção
Durante a COP30, várias iniciativas para descarbonizar a cadeia habitacional brasileira foram assinadas. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), por exemplo, aderiu à Coalizão pela Habitação Net-Zero 2050, iniciativa coordenada pela Caixa Econômica Federal. A proposta prevê articulação entre governos, empresas, universidades e sociedade civil para promover políticas e práticas voltadas à neutralidade climática, com foco em inovação tecnológica, eficiência energética, habitação acessível e resiliência urbana. “Descarbonizar o setor é também melhorar a qualidade de vida nas cidades. Obras mais eficientes, com menos desperdício e menor impacto ambiental beneficiam toda a população”, frisa o presidente da CBIC, Renato Correia.

A Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) também firmou compromissos estratégicos, como o Acordo de Cooperação para a Criação da Rede Nacional de Inovação para a Habitação Sustentável, em parceria com o Ministério das Cidades, entidades e instituições do setor. O acordo está estruturado em dois eixos: as Jornadas Setoriais de Baixo Carbono, que visam a reduzir emissões de gases ao longo da cadeia produtiva da construção, por meio da digitalização e rastreabilidade de materiais, elaboração de inventários ambientais setoriais e incentivo à emissão de Declarações de Desempenho Ambiental de Produto; e a Rede Nacional de Laboratórios de Inovação e Sustentabilidade Habitacional, cujo foco estará na pesquisa, capacitação e desenvolvimento de tecnologias para construções mais eficientes.

Felizmente, a construção brasileira está atenta ao assunto faz tempo. A plataforma CECarbon, desenvolvida pelo Comitê de Meio Ambiente do Sinduscon-SP, permite a medição do desempenho ambiental de obras desde o seu planejamento. Dados da ferramenta revelam que o setor apresenta níveis de emissão de carbono inferiores aos registrados em países desenvolvidos: a meta europeia de emissões para 2035 é de 280 kg de CO2 equivalente por m² construído; enquanto isso, atualmente, as emissões médias nacionais ficam em torno de 220 kg nesse mesmo indicador. “O desempenho brasileiro reflete avanços na eficiência de materiais, gestão de resíduos e processos construtivos, mas ainda há desafios para expandir o uso de tecnologias de baixo carbono em larga escala”, analisa o vice-presidente de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CBIC, Nilson Sarti.

A conclusão disso tudo é a melhor possível para o setor vidreiro: graças às suas características produtivas e à capacidade de ser totalmente reciclado, nosso produto estará no centro dessa transformação verde, ajudando na construção de uma indústria mais amigável ao meio ambiente.

Água é fundamental para diversos processos da cadeia vidreira: um simples racionamento no insumo pode afetar negativamente a produção das empresas
Foto: popov48/stock.adobe.com

Crise climática já atinge empresas
De acordo com a pesquisa Pequenos Negócios e as Mudanças Climáticas no Brasil, realizada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), 63% das pequenas e microempresas já sofreram impactos de eventos climáticos extremos (sejam seca, enchente, tempestade ou onda de calor). O próprio setor vidreiro tem sofrido com as questões, basta recordar a destruição da antiga sede da Lajeadense durante as enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul no ano passado. E o futuro, mesmo a curto prazo, também não traz boas notícias: um exemplo está nos reservatórios de água da Região Metropolitana de São Paulo, que atingiram o menor nível em quase dez anos; em caso de racionamento do insumo, a produção das empresas vidreiras locais certamente sofrerá as consequências negativas do fato. O levantamento do Sebrae aponta ainda que, entre os empreendimentos afetados, 94% adotaram pelo menos uma medida emergencial para manter as operações. No entanto, a maioria reage de forma não planejada: apenas 18% contam com processos formais de gestão de risco e 64% não têm plano de adaptação.

Este texto foi originalmente publicado na edição 636 (dezembro de 2025) da revista O Vidroplano. Leia a versão digital da revista.

Foto de abertura: Artinun/stock.adobe.com

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