Barulho não apenas irrita quem precisa de silêncio: também é responsável por piorar a saúde das pessoas – ainda mais em cidades grandes cheias de trânsito e canteiros de obra. A boa notícia para nosso segmento é que o vidro é um elemento muito eficaz para barrar ruídos em edificações. Por isso, O Vidroplano traz um guia completo sobre conforto acústico envolvendo o material.
Nas páginas a seguir, conheça o papel do vidro para uma boa atenuação acústica, como o material interage com a esquadria para alcançar melhores desempenhos nesse quesito, a importância das vedações em uma instalação e muito mais – e não deixe de ler também a matéria da seção “Vidro em obra”, na qual mostramos uma fachada envidraçada, em um teatro de São Paulo, que atua como barreira para o som.
Questão de saúde pública
A poluição sonora deve ser encarada como questão de saúde pública: a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 10% da população mundial esteja exposta a níveis sonoros que potencialmente podem causar perda auditiva. Ainda segundo a entidade, barulhos de 50 dB já são considerados prejudiciais ao corpo humano. Mas como isso ocorre?
De acordo com a professora Charlotte Clark, da Universidade St. George, de Londres, Inglaterra, em uma reportagem da BBC, o cérebro realiza uma “avaliação emocional” de todo som captado. O processo se dá assim:
- O som entra pelos ouvidos, sendo detectado pela região da amígdala cerebral, nosso centro emocional;
- Na sequência, são liberados os “hormônios do estresse”, como cortisol e adrenalina, que ativam o sistema nervoso e deixam o corpo em alerta;
- Isso gera aumento na frequência cardíaca e na pressão arterial.
Nosso organismo evoluiu ao longo dos tempos, agindo da forma descrita acima para nos ajudar a reagir rapidamente a um som, como o da aproximação de um predador. Porém, não vivemos mais em florestas – e, sim, em metrópoles cada vez mais barulhentas – e esse constante estado de alerta que os ruídos podem causar tem graves consequências: de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a poluição sonora pode causar doenças cardíacas e vasculares, derrames, diabetes e aumento de peso, além de distúrbios mentais e psicológicos.

(Foto: HyperlapsePro/stock.adobe.com)
Benefícios da atenuação
“O isolamento sonoro é o responsável por nos proteger de níveis de pressão sonora elevados ou ruídos alheios à nossa atividade”, comenta a especificadora técnica da PKO Vidros, Alessandra Ribeiro. “Logo, graças a ele, o usuário se beneficia com o aumento da privacidade entre ambientes, menor incômodo e bons níveis de produtividade em tarefas que demandam mais atenção.”
De acordo com Hugo Martinez, especialista em esquadrias acústicas e produtor de conteúdos sobre o tema nas redes sociais, a construção nunca deve se esquecer do usuário da edificação. “Essa pessoa precisa de qualidade de vida. Quando você tem um ambiente confortável, você tem mais saúde e bem-estar. E aí, quando a gente define saúde e bem-estar, é preciso começar a falar de coisas importantes dentro desse conceito: maior foco, menos ansiedade. Um sono de qualidade, por exemplo, lhe dá um estado de concentração enorme. Então, isso tudo se liga ao desenvolvimento do seu corpo, o desenvolvimento dos seus pensamentos”, analisa.
Os segredos da especificação
Não é simples escolher o tipo de vidro a ser utilizado em uma instalação com o objetivo de barrar ruídos, como alerta Rafael Schmitt, diretor-executivo da Scala Acústica, empresa especializada em soluções acústicas para edificações: “Cada empreendimento está inserido em um contexto específico de ruído de entorno, e a norma ABNT NBR 15.575 – Desempenho de edificações habitacionais estabelece classes de ruído para caracterizar esses diferentes cenários, definindo o isolamento mínimo adequado de uma fachada para cada situação”. Isso assegura que o desempenho acústico seja compatível com o ambiente em que a obra será construída, proporcionando condições adequadas de habitabilidade e uso. “Ao se compreender previamente essas características, é possível especificar o vidro mais eficiente para aquele caso”, complementa Schmitt.
Alessandra Ribeiro, da PKO Vidros, aponta tudo que se deve fazer antes de escolher vidros para soluções acústicas:
- Primeiro, é necessário conhecer as características da fonte geradora do ruído que se quer isolar: sua localização, se é uma fonte fixa ou móvel, pontual ou linear;
- Depois, é fundamental saber a natureza do próprio ruído: o nível de pressão sonora incidente, a frequência (aguda, média, grave), se é contínuo ou intermitente;
- Em seguida, passa-se a estudar a composição do sistema construtivo de vedação externa das fachadas, o volume geométrico do ambiente receptor, a área da superfície de geminação (paredes compartilhadas) e a área da esquadria;
- Com esses dados em mãos, é possível calcular o nível de isolamento necessário;
- Finalmente, depois de tudo isso, chegou a hora de especificar vidros e esquadrias, sempre levando em conta o cumprimento dos requisitos normativos para aquela obra.

(Foto: 88 Studio/stock.adobe.com)
As “leis” da acústica: imprescindíveis para uma boa instalação
Edison Claro de Moraes, diretor da Atenua Som e idealizador do VidroSom, evento que há anos discute o potencial de conforto acústico de janelas e portas envidraçadas, explica algumas regras essenciais sobre o assunto:
- “Lei da massa”: quanto maior a massa de um item, melhor seu desempenho acústico. Por ser mais pesado que outros materiais, como a madeira, por exemplo, o vidro deixa passar menos som;
- “Lei das frestas”: qualquer vão deixado entre o vidro e a esquadria, assim como entre a esquadria e o local onde será instalada, pode invalidar todo o isolamento proporcionado (mais sobre isso, na sequência desta reportagem);
- “Lei das frequências”: como já citado, cada som conta com uma frequência diferente (aguda, média, grave). Dessa forma, o tipo de vidro e sua espessura vão depender do tipo de barulho a ser barrado.
Sinergia com os demais elementos
Como em qualquer estrutura com vidro, uma fachada acústica não depende só de nosso material. “A esquadria entra como um sistema composto por diversos elementos que, em conjunto, também devem proporcionar bom isolamento sonoro”, explica Alessandra Ribeiro, da PKO Vidros. “Apesar de não ser comum avaliar desempenho acústico em porcentagem, uma vez que o decibel é uma escala logarítmica, de forma geral podemos dizer que o vidro pode representar até 70% de importância no isolamento acústico. Entretanto, se os 30% restantes (representados pelos sistemas de caixilhos, vedações e acessórios) não apresentarem desempenho equivalente, podem pôr a perder o desempenho de forma significativa.”
Para Edison Moraes, da Atenua Som, a esquadria é a “porta-voz” do vidro. “Se você instalá-la inadequadamente, ela pode tirar todos os benefícios do vidro. Nós temos casos e mais casos de vidros com altíssimo desempenho que perdem todas as suas características quando colocados em caixilhos inadequados”, afirma. “O peso, por exemplo: a maioria dos sistemas básicos de janelas de correr não suporta mais do que 20, 25 kg por m2. Então, é muito comum a pessoa ter uma janela com vidro de 10 kg, trocar por um de 20 kg para melhorar o desempenho, e aí a eficiência piora. Por quê? Porque aquele caixilho não é o adequado.”
“Em minhas palestras, gosto de usar um exemplo típico”, conta Rafael Schmitt, da Scala Acústica. “Um vidro monolítico de 6 mm, com índice de redução sonora (Rw) de 31 dB, quando instalado em um caixilho de baixa performance, tem o Rw diminuído para 19 dB – ou seja, a esquadria comprometeu drasticamente o desempenho do conjunto. Se analisarmos pela frequência do som, o efeito pode ser ainda mais expressivo: no mesmo exemplo, o isolamento do vidro a um som de 1.250 Hz é de 35 dB, mas no conjunto caiu para 17.”
É preciso olhar para duas questões, indica Hugo Martinez: a influência dos componentes da esquadria e como ela é construída:
- Para controlar frequências baixas, mais graves, é preciso materiais rígidos – nesse sentido, a esquadria pode ser tanto de alumínio como de PVC, madeira, aço;
- Quando se vai para uma zona entre as frequências graves e médias, quem controla é o vidro – e aí entram a espessura e o tipo dele, seja laminado, temperado, insulado;
- Já para a área final do espectro sonoro (agudo), quem importa mais são os componentes de vedação e de fechamento.
“Então, cada material tem a sua contribuição e cada material precisa ter o seu grau de qualidade. Ao falar em perfil, queremos rigidez; ao falar em vidro, queremos massa, mas densidades diferentes; e ao falar em vedação, o importante é resistência, flexibilidade e pressão”, afirma Martinez.

(Foto: Divulgação Scala Acústica)
A importância da vedação
Vedar é tão relevante para o isolamento acústico que há até uma “lei” só para isso – a “lei da fresta”. “Uma fresta de 1 mm no perímetro de uma porta de 0,90 por 2,10 m representa 30% de perda no desempenho”, frisa Moraes, da Atenua Som. Uma vedação bem-feita, então, envolve duas coisas: nível e prumo. “Quando vou a uma obra, a primeira coisa que pergunto para o nosso pessoal é: ‘Como estão o nível e o prumo?’. Se gaguejarem, é melhor fazer de novo. Uma vedação ruim parte justamente disso, porque, depois, vão tentar corrigir no caixilho ou na roldana, ou fazer um calço, algum ajuste. Eu costumo levar uma folha de papel e tento passar entre as frestas para mostrar para a pessoa o que está acontecendo. Diria que a vida de uma porta, de uma janela, está no nível e no prumo.”
A instalação, portanto, pode acabar com a obra. “Pra mim, isso é que define o jogo. Depois de especificar bem os materiais, na parte prática da coisa, a montagem precisa seguir rigorosamente o projeto, com cortes precisos, medição para saber se a serra está cortando sem gerar rebarbas etc.”, explica Hugo Martinez. “Quando é feito o encaixe, é necessário conferir medida por medida e vedar todas as áreas. É importante identificar qual material faz a ligação da esquadria com a construção, qual seu comportamento e como a esquadria precisa trabalhar para vedar sem sofrer com as dilatações. Há muita coisa envolvida.”
Os próprios componentes e o formato da esquadria influenciam a questão, reforça Schmitt, da Scala Acústica. “Um fecho concha ou cremona mudam a pressão de fechamento e, consequentemente, o isolamento acústico. Sistemas como o elevável-deslizante e o osciloparalelo, por exemplo, conferem maior estanqueidade. Além disso, roldanas, mecanismos, contrafechos, juntas, caixas de dreno, escovas e guarnições podem apresentar desempenhos diferentes. Por isso, testar o produto aplicado à esquadria em laboratório também é indispensável.”

Qual matéria-prima de esquadria é a melhor?
PVC, alumínio, aço, ferro, madeira: qual tipo de esquadria oferece melhor desempenho? Na verdade, essa não é a pergunta certa a ser feita: mais importante são a qualidade do fabricante, os aspectos construtivos do produto e quem vai instalá-lo – afinal, todas essas matérias-primas têm características próprias para certas situações. As de PVC, por exemplo, em geral, possuem baixa transmissão acústica e também térmica, enquanto o processo de extrusão do alumínio permite a execução de detalhes nos perfis de forma a contribuir para a estanqueidade acústica e em relação ao ar e à água. O peso de materiais como o ferro e o aço também contribui para o isolamento de ruídos. “O que vale é: quanto mais rígido for o perfil, mais desempenho ele tem. É por isso que o PVC, inclusive, usa alma de aço em seu interior, para oferecer rigidez”, destaca Moraes, da Atenua Som.
Soluções acústicas estão mais populares?
A busca por bem-estar nas edificações – que cresceu após a pandemia, quando todos começamos a passar mais tempo em casa – aumentou a procura por soluções acústicas, incluindo as envolvendo vidro. “Isso ocorreu por conta de uma exigência cada vez maior do consumidor por melhores níveis de conforto e por receio de ações judiciais devido ao isolamento acústico inadequado ou insuficiente”, analisa Alessandra Ribeiro, da PKO Vidros. “Dados de uma pesquisa de mercado elaborada em 2022 pela agência DataZap, sobre tendências de moradia e compra, revelaram que, dentre doze aspectos tecnológicos avaliados pelos entrevistados, a preferência do consumidor apontou 69% de relevância para o isolamento acústico. A pesquisa foi refeita em 2024 e esse interesse cresceu para 71% em imóveis verticalizados.”
Existe ainda outro motivo bem relevante para esse movimento: a ABNT NBR 15.575, conhecida como “norma de desempenho”. “Ela definiu e qualificou materiais para o desempenho acústico e ainda desencadeou a criação de novas partes da ABNT NBR 10.821 — Esquadrias externas para edificações. A Parte 4, por exemplo, teve uma revisão que classificou o desempenho de esquadrias em quatro categorias: A, B, C e D”, destaca Hugo Martinez.
“Como consultores acústicos, temos percebido que os setores de assistência técnica e qualidade das construtoras vêm sendo acionados com maior frequência para comprovar o atendimento ao desempenho acústico, especialmente diante de reclamações relacionadas à falta de privacidade sonora. Esse cenário reforça a necessidade de um olhar mais técnico e preventivo desde as etapas iniciais do projeto”, comenta Schmitt, da Scala Acústica. No entanto, ele alerta: é importante destacar que não se pode generalizar o uso desses vidros sem considerar o contexto externo. “Cada tipologia deve ser analisada comparando o isolamento em função da frequência com o espectro da emissão sonora envolvida.

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