Se você é leitor assíduo de O Vidroplano, deve se lembrar de reportagens recentes sobre a importância de nosso setor saber comunicar os benefícios do vidro para especificadores (como arquitetos e engenheiros) e para o consumidor final, com o intuito de aumentar o uso de vidros na construção – especialmente os vidros de valor agregado.
No entanto, não podemos nos esquecer de um elemento fundamental nessa equação: as construtoras e incorporadoras. Afinal, são elas as donas dos empreendimentos, sendo responsáveis pela resposta final em relação a quais materiais serão utilizados nas obras. Pensando nisso, O Vidroplano conversou com agentes da construção civil para entender de que forma as construtoras e incorporadoras podem se abrir ainda mais ao nosso material.
Trabalho de parceria
No mundo atual, em que o tema da sustentabilidade passou a ser aplicado para valer em diversos segmentos da sociedade, a construção civil pode ser considerada uma das pontas de lança desse movimento. Empreendimentos comerciais cada vez mais focam em eficiência energética, aplicando soluções construtivas que colaboram para o menor uso de eletricidade – o que diminui o impacto do projeto ao meio ambiente. O ramo residencial, especialmente o de padrões menos elevados, ainda não olha para a questão como se deveria, embora prédios de luxo já tenham entendido que abraçar esses conceitos significa trazer conforto aos usuários.
Apostar em materiais de maior valor agregado – que trarão a sustentabilidade e o conforto pretendidos – é um trabalho que deve ser construído a várias mãos. “A parceria entre arquitetos, engenheiros e o time de construção é vital desde os primeiros desenhos até a entrega da obra”, comenta Bianca Setin, vice-presidente da Setin Incorporadora. “O vidro surge como elemento multifuncional, pois molda a fachada, aumenta a iluminação natural, contribui para o isolamento acústico e térmico, oferece sensação de amplitude e precisa atender as normas de segurança.”

De acordo com Bianca, quando se opta por vidros mais sofisticados (sejam temperados, laminados, insulados ou de controle solar), há uma avaliação cuidadosa do impacto no orçamento, do custo de manutenção ao longo do tempo e do que esse diferencial significará para quem vai morar ali ou adquirir o imóvel como investimento. “A construtora analisa o que é viável logisticamente, o que exige acompanhamento técnico para garantir que o vidro escolhido possa ser produzido, transportado e instalado com qualidade sem comprometer o desempenho”, explica. “O resultado dessa colaboração entre especificadores e construção é que os recursos são investidos em pontos que realmente fazem a diferença, de forma a valorizar o produto final no mercado, elevando a experiência do usuário.”
Para o arquiteto Celso Rayol, fundador do escritório Cité Arquitetura, localizado no Rio de Janeiro, essa parceria varia conforme a visão da construtora para cada obra. “Claro que há projetos em que os custos na ponta do lápis se tornam preponderantes, mas muitas empresas têm uma preocupação com o legado na cidade, com a durabilidade do projeto depois de anos de uso. Nesses casos, o caminho do meio entre qualidade e custo é sempre a meta, buscando a melhor solução tanto para a construtora ou incorporadora como para os futuros moradores ou usuários – e também para a própria cidade.”
Apesar disso, ainda existem construtoras que limitam as decisões de arquitetos e engenheiros, com foco somente no menor custo, opina o engenheiro Fernando Simon Westphal, consultor técnico da Abividro e professor e pesquisador do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Muitas das decisões são guiadas em conjunto com o time de arquitetura para trabalhar com o sistema construtivo com o qual a construtora está familiarizada. Vejo muito disso, de não mudar o que está funcionando. No caso dos vidros, se uma das opções estudadas já foi utilizada pela construtora em outro empreendimento, geralmente ela acaba optando por essa mesma especificação.”

(Foto: OH/stock.adobe.com)
Convencendo com argumentos
Por mais que a relação entre as partes (construtora e especificador) seja de parceria, é necessário algum tipo de convencimento por parte de quem indica qual material deve ser aplicado. “A principal discussão a respeito da utilização de vidros mais tecnológicos hoje é o ganho nas técnicas de controle solar: eficiência energética versus a diminuição do uso dos sistemas de ar-condicionado”, analisa Fabiano Sinibaldi, coordenador do escritório de arquitetura Aflalo/Gasperini.
Talvez esse seja o maior desafio para o consultor em eficiência energética atualmente. Para Westphal, “quando tratamos de edifícios residenciais ou corporativos para locação, a economia de energia será usufruída pelo futuro morador ou locatário, e não pela incorporadora. Nesse caso, é mais difícil o convencimento por determinada estratégia de eficiência com período de retorno mais esticado”. A solução para isso? Apelar para as oportunidades geradas pelo marketing na hora de comercializar a obra. “A incorporadora deve ser instruída a ofertar um produto – apartamento ou laje corporativa – com maior qualidade ambiental interna, ambientes mais iluminados, confortáveis e que promovem o bem-estar e a produtividade. Esse tipo de propaganda vai bem, ao menos nos edifícios comerciais. Não vejo problemas em levar a abordagem para o marketing, se isso for necessário para entregar um projeto de melhor qualidade e que irá trazer benefícios para os usuários no futuro”, complementa o engenheiro.
Ainda pode haver entraves, mas a situação melhorou muito com o passar do tempo, comenta Celso Rayol, da Cité Arquitetura: “No passado, aumentar uma esquadria, tirar uma trave horizontal ou usar um vidro diferenciado era um sacrilégio, sempre caía por terra quando chegava na engenharia. Hoje é diferente, os próprios clientes pedem por vãos maiores, vistas mais desimpedidas, uma relação mais direta com o exterior, sobretudo depois da pandemia. Assim surgem outras questões, como o uso de vidros acústicos, insulados e antichamas. Com o objetivo de melhorar o projeto, muitos clientes topam investir nisso”.
E como lembra Bianca Setin, não basta vender apenas o vidro, pois todo o conjunto do sistema em que será instalado (esquadrias, insumos, vedação, instalação) precisa ser compatível. “A busca é por integrar projeto, fachada e detalhes construtivos de forma que cada parte complemente a outra, sempre equilibrando isso com a percepção de benefício para quem vai utilizar.”

(Foto: Paulo Brenta)
O papel das certificações
O quanto as certificações ambientais podem ser diferenciais para a escolha de materiais de valor agregado? “No mercado imobiliário corporativo, isso é sentido com mais força. No setor residencial, ainda não vejo como fator decisivo, por enquanto. Mas acredito que em uns cinco anos, o cenário estará bem diferente, pois vemos uma mudança exponencial no interesse por projetos que valorizam o bem-estar e a eficiência energética”, analisa Westphal.
Uma edificação certificada (seja com os selos Leed, Edge, Aqua e Fitwell, entre outros) ganha respaldo no mercado, pois mostra ao mundo ser uma construção com atenção à eficiência energética, descarte de resíduos e conforto ambiental. Para o usuário final, por exemplo, as chancelas oferecem uma métrica na hora de comparar empreendimentos, servindo como critério de distinção. “Trazem ainda disciplina aos processos da incorporadora, já que exigem medição de desempenho, controle de fornecedores, eficiência em canteiro de obras, uso consciente de insumos, redução de impactos ambientais, transparência e governança”, revela Bianca Setin.
E é importante pontuar outra questão, segundo Fabiano Sinibaldi, da Aflalo/Gasperini: “As tecnologias da construção, materiais e práticas sustentáveis já conduzem os projetos para edificações passíveis de certificação, independentemente de buscarem o selo”. Ou seja, mesmo sem almejar certificações, as edificações estão se tornando mais eficientes graças ao esforço da indústria para oferecer materiais de qualidade.
Custos, sempre eles…
Em época de inflação e juros elevados, o custo dos materiais de construção é um desafio real a ser encarado pelo setor da construção – e isso se reflete diretamente no preço por metro quadrado dos edifícios. “O valor da construção aumentou muito nos últimos anos, devido não só ao incremento no custo dos materiais, mas também pela carência de mão de obra nos canteiros. Sendo assim, todos os projetos passam por processos de reengenharia, trazendo para os arquitetos o desafio de buscar novas soluções que mantenham o padrão esperado”, alerta Sinibaldi, da Aflalo/Gasperini.
“Já participei de projetos com apartamentos com valor de venda na faixa de R$ 10 milhões, e a construtora recuou da decisão de instalar vidros insulados, optando por apenas laminados”, conta Fernando Westphal. “Esse tipo de decisão assusta e de certa forma nos deixa frustrados, porque mostra o quanto ainda temos de estudar e desenvolver técnicas de argumentação para instruir o cliente final. O valor relativo percebido pelo cliente me preocupa bastante, pois temos de nos esforçar para comprovar e ilustrar o óbvio.”
Para Bianca Setin, projetos mais simples ou de padrão médio tendem a sentir esse impacto de maneira mais intensa porque as margens são mais estreitas. “Nessas obras, as escolhas por materiais convencionais ou de entrada são recorrentes, seja nos acabamentos, nos vidros ou nas louças”, esclarece. As obras de alto padrão também são afetadas, embora de modo diferente: “Existe maior tolerância a custos adicionais se gerarem benefícios claros ao cliente, como conforto térmico, durabilidade, estética ou certificações. Esse cenário exige um planejamento mais rigoroso, fornecedores confiáveis, logística eficiente e comunicação clara para que o comprador compreenda o valor agregado”.
Apesar da complexidade do processo de especificação, Rayol, da Cité Arquitetura, acredita ser possível equalizar as necessidades dos envolvidos. “Se for de enorme relevância para o projeto o uso de um produto mais caro, o nosso trabalho junto ao cliente é justamente encontrar o equilíbrio, apontando outros pontos em que se podem reduzir gastos. É matemática pura. No final, o objetivo é sempre preservar o projeto ao máximo”, aponta.

(Foto: alexandre zveiger/stock.adobe.com)
A resposta para a questão: conhecimento
O setor vidreiro nacional precisa aproveitar a boa onda pela qual passam os vidros laminados e insulados, considerados os de maior valor agregado dentro da cadeia. De acordo com o Panorama Abravidro 2025, no ano passado esses dois vidros tiveram bom desempenho:
- Os laminados marcaram sua mais alta participação no mercado de processados da série histórica (15%), com quase 10% de aumento na quantidade vendida;
- Já os insulados chegaram pela primeira vez à marca de 1% na participação no mercado de processados, tendo crescimento na fabricação em quase 50%. Dessa forma, 2024 se tornou o ano em que mais se produziram insulados desde o início da série histórica.
Por isso, vale repetir a pergunta feita na matéria especial de O Vidroplano em junho deste ano: o que fazer para aumentar ainda mais o consumo desses materiais no Brasil? Conscientizar a sociedade sobre os benefícios técnicos e estéticos do vidro segue sendo a melhor resposta.
Para além da relação com o especificador, que é importante, nosso segmento também precisa manter diálogo com as construtoras e incorporadoras. “É fundamental que o usuário final compreenda não somente que há diferenciais técnicos no imóvel, mas também por que esses diferenciais existem, qual o impacto real deles”, analisa Bianca Setin. “Fazemos isso com uma comunicação clara. Quando um vidro especial custa mais, nós demonstramos que ele pode reduzir o uso do ar-condicionado ou melhorar o valor de revenda, para que o cliente entenda que não se trata de gasto, mas, sim, de investimento.”
Uma visita a um apartamento decorado com soluções vidreiras tecnológicas pode ajudar um usuário a decidir pela compra de determinado empreendimento. Bianca afirma que propiciar experiências práticas ajuda no entendimento do cliente – especialmente quando ele pode ver ambientes com insolação distinta ou verificar pessoalmente a acústica, por exemplo. “Já visitamos apartamentos modelo ou prontos em que esses atributos aparecem de forma perceptível, fazendo com que a pessoa possa sentir o que significa morar em um imóvel com materiais e soluções de maior valor agregado.”
E, claro, o campo teórico também não pode ser esquecido: essas empresas precisam conhecer detalhes técnicos dos produtos – de forma a repassar essa informação corretamente. Por isso, vale seguir com ações para levar conhecimento aos diferentes elos da construção – seja em forma de palestras, visitas técnicas a construtoras ou mesmo com iniciativas com escopo maior, como é o caso do Educavidro, plataforma de ensino a distância desenvolvida pela Abravidro em parceria com a Abividro. Quem sabe, assim, o nó do vidro de valor agregado possa enfim ser desatado.
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